Teoria
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Os grupos de encontro de Carl R. Rogers

 (2008, primeiro semestre)


Andersen Viana


Resumo

Este trabalho objetiva abordar alguns tópicos referentes ao conceito teórico-prático gerado pelo renomado psicólogo norte-americano Carl Ransom Rogers, intitulado em português de “Grupos de Encontro”. Sintetiza história e os variados processos que gerou, bem como suas aplicações em uma sociedade heterogênea e plena de contradições, onde o fator de desumanização é gerado também pelo uso intensivo da tecnologia.

Histórico e objetivos

Nos Estados Unidos em época anterior a 1947, Kurt Lewin, psicólogo do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT), desenvolveu a idéia de que o treino das capacidades em relações humanas era um importante, mas esquecido tipo de educação na sociedade moderna. O primeiro grupo, intitulado T-Group (Grupos de Treinamento) foi realizado em Bethel-Maine no ano de 1947, após a morte de Kurt Lewin. Seus colaboradores continuaram a desenvolver estes grupos no MIT, e, mais tarde, na Universidade de Michigan.

Os grupos que eram reunidos em Bethel durante o verão ficaram muito conhecidos, tendo gerado a organização dos National Training Laboratories (ou Laboratórios Nacionais de Treinamento), com sede em Washington. Direcionado a administradores e diretores do campo industrial, o treino surgiu como primeira tentativa dos grupos National Training Laboratories, pois a indústria podia arcar com os custos advindos do experimento inicial.

A designação de T-Group foi inicialmente adotada para grupos das relações humanas, nos quais se procurava ensinar a observação da natureza, das suas interações recíprocas e do processo de grupo. Partindo desta observação, presumia-se que o grupo seria mais capaz de entender a sua própria maneira de funcionar como um grupo e no trabalho, bem como o impacto que cada membro poderia ter sobre os outros, tornando-se mais competentes para lidar com situações interpessoais difíceis.

Nos grupos organizados pelos National Training Laboratories, constatou-se que as mudanças nas experiências pessoais eram profundas. O pensamento lewiniano e a psicologia gestaltista de um lado e a terapia centrada na pessoa por outro, foram as bases sobre as quais o movimento foi inicialmente desenvolvido.

Dentre outros variados tipos de grupos existentes destacam-se os T-Groups, que são grupos que foram criados para desenvolver as capacidades das relações humanas. Esses grupos dividem-se em diversos tipos; o grupo de encontro básico, que objetiva o crescimento pessoal, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da comunicação e as relações interpessoais através de um processo de amadurecimento e experiência vivencial; o grupo de treino de sensibilidade, que pode assemelhar-se a qualquer dos grupos acima referidos; o grupo centrado na tarefa, largamente utilizado na indústria, focado na tarefa de grupo e no seu contexto interpessoal; os grupos de percepção sensorial, de percepção corporal ou de movimento corporal, estes relacionados à expressão do corpo; o grupo de desenvolvimento da organização, que tem por objetivo principal desenvolver a capacidade de liderança nos participantes, o grupo de formação de equipe, amplamente usado na indústria para desenvolver maiores laços de união entre equipes de trabalho eficientes e o grupo gestáltico, que se baseia na terapêutica gestaltista, em que um terapeuta experiente se concentra em um indivíduo de cada vez, sob um ponto de vista diagnóstico e terapêutico.

Pode haver grupos de dirigentes de organizações, pessoas associadas à vida diária na indústria, na educação e em todas as possibilidades encontradas nos locais de trabalho.

Existem inúmeras possibilidades para a criação dos grupos, desde grupos de encontro de pais com crianças na UTI neonatal até grupos musicais que se formam no palco para a repetição do espetáculo. Podem existir também grupos maiores que se reúnem através de workshops ou laboratórios, onde todos os grupos se juntam através de uma conferência; os grupos de casais, que se reúnem na possibilidade de ajuda recíproca; o grupo de família, onde várias famílias se agrupam e pais aprendem com os próprios filhos e com os filhos dos outros e vice-versa.

Para todos estes grupos existem as diferenças oriundas do tempo reunido – fins de semana, semana ou várias semanas, além de grupos “maratona”, que se reúnem continuamente durante vinte e quatro horas ou mais.

O processo

A ansiedade, a surpresa e a irritação são a marca registrada dos membros de qualquer grupo em sua fase inicial, devendo-se isto geralmente à falta de infra-estrutura, sendo que o maior problema que se apresenta aos participantes é a maneira como vão passar o tempo juntos. Aos poucos se vai tornando visível que a meta principal do participante é encontrar meios para se relacionar com os outros e consigo próprio. As primeiras mostras são "fachadas" e "máscaras", pois somente gradativamente começa-se a explorar os sentimentos e atitudes de cada um para consigo mesmo e de uns para com os outros. Apenas depois de algum tempo e com o devido cuidado, emergem os verdadeiros sentimentos revelando verdadeiras pessoas. Dessa forma, os participantes acabam por conhecer mais a si próprios e a cada participante, o que não seria possível na relação cotidiana.

A partir deste ponto inicia-se uma relação melhor entre os participantes do grupo e, também, futuramente, nas variadas situações do dia-a-dia. Durante as vinte, sessenta ou mais horas de sessões, nota-se a complexidade das interações que surgem, descobrindo-se certas linhas que podem se interceder. Isso pode acontecer mais cedo ou mais tarde, não existindo uma seqüência definida.

Rogers afirma ser o grupo uma metáfora de “uma rica e variada tapeçaria”, diferindo esta de grupo para grupo, embora certas espécies de tendências fiquem evidentes na maior parte destes encontros intensivos.

A criação de um grupo de encontro é algo invulgar. Inicialmente há um facilitador que, ao dizer que se trata de um grupo que tem total liberdade, acaba por trazer ao grupo uma tendência natural a um período de confusão, silêncio desconcertante, comunicação superficial, sem profundidade, frustração e descontinuidade. Afinal, pessoas que não se conhecem deverão permanecerão um bom tempo juntas. A confusão e a frustração são naturais neste processo inicial. A tendência de provocar uma reação ambígua no grupo acontece no período de hesitação nos quais atitudes pessoais podem ser observadas. Esta experiência pode ser descrita como “experiência da existência de dois eus”, um "eu" que se mostra ao mundo e um outro "eu" que existe apenas intimamente.

Freqüentemente, o líder é atacado por não conseguir imprimir uma orientação conveniente, sendo que a primeira expressão do “eu verdadeiro” tem tendência para surgir em atitudes negativas em relação aos outros membros do grupo ou ao líder. Uma das melhores maneiras de avaliar a liberdade e a confiança do grupo são as expressões negativas como os primeiros sentimentos.

Conclui-se que os sentimentos profundos e positivos são mais difíceis de exprimir do que os negativos. A espontaneidade e o sentimento benéfico podem ser rejeitados, expondo a vulnerabilidade da pessoa, ao contrário do ataque do qual se pode defender com as mesmas armas (“chumbo trocado não dói”). Quando o indivíduo se encaixa naquilo que pode ser encarado como “seu grupo”, inicia-se a sensação de confiança através de um processo que pode ser chamado de “viagem ao centro do eu”, freqüentemente muito doloroso.

Nos grupos de encontro, os participantes são expostos a confrontações diretas. Tanto a aceitação como a repulsa fazem parte do processo de grupo. O início de qualquer mudança no nível pessoal é a auto-aceitação, e, a partir do processo de auto-conhecimento é que são lançadas as bases para as mudanças.

A dinâmica do grupo de encontro reside no fato do não consentimento ao indivíduo para que ele se esconda atrás de uma "máscara", exigindo que cada participante seja ele próprio e não o outro “eu”. Neste processo de integração no grupo, o indivíduo obtém informações sobre a maneira como está sendo visto pelos outros, o que lhe proporcionará subsídios para mudanças. O termo feedback (Retorno), é a forma que os integrantes do grupo desenvolvem para interagirem entre si, e o mesmo pode vir a se desenvolver sob a forma de confronto, o qual poderá ser positivo ou negativo.

Nos grupos de encontro, o chamado “encontro básico” é o contato mais diretamente ligado a uma maior intimidade social – usual na vida cotidiana – sendo que um dos fatores de maior estímulo nos grupos de encontro é quando o indivíduo se esforça ou sofre com um problema e o grupo o ajuda. Este está entre os aspectos mais importantes no âmbito da experiência de grupo, pois pode se expandir fora da ação do próprio grupo, fato que é muito estimulante e benéfico.

Rogers diz que quando existe a livre expressão dos sentimentos e os mesmos são irrestritamente aceitos, eles acabam por trazer a positividade e irmanação entre os participantes, e isto acontece cada vez que as sessões prosseguem em mútua confiança, com o desenvolvimento de um maior compromisso afetivo do grupo, que tenderá a desenvolver o sentimento de positividade – e de forma especial – a verdade, seja ela positiva ou negativa.

O desenvolvimento da confiança acaba por gerar uma maravilhosa e real solidariedade entre os indivíduos, mudando a postura e o gestual, concluindo por se tratar das variadas e significativas mudanças vivenciadas.

Após a experiência

A experiência de grupo não é um fim em si, mas o seu significado é mais importante quando reside na influência que tem sobre o comportamento de cada indivíduo mais tarde, fora do grupo. É quando se constatam as verdadeiras mudanças e influências na vida de cada indivíduo, redundando em diversos cambiamentos, sejam eles em nível pessoal, vocacional, profissional, intelectual, filosófico, dentre outros, o que pode significar mudanças na qualidade da comunicação entre pais e filhos, na escola, nos negócios, enfim, na vida.

À mudança e crescimento pessoal, seguem a agitação na vida dos indivíduos e inequivocamente, nas instituições. Existem, contudo, casos em que as pessoas se desenvolveram, mas as instituições não. No âmbito acadêmico podem ocorrer mudanças nas posições dos professores e na comunicação entre professores, administradores e alunos. A libertação de maus hábitos adquiridos, o encontro da felicidade na liberdade, o enfrentamento da ausência e dor na vida pessoal, a autoconfiança e coragem entre tantos outros fatores, são os resultados da vivência dos grupos de encontro, que, se seriamente conduzidos, podem vir a ser uma das mais importantes experiências na vida de um indivíduo.

A solidão

Nunca antes na história da humanidade, talvez, a solidão assolou a tantos. Numa era na qual as máquinas progressivamente substituem o ser humano em todos os campos da atuação, a solidão vem se colocar como algo quase que irremediável na vida das pessoas.

A arte contemporânea criada pelos escritores, pintores, escultores, músicos, cineastas, poetas dentre tantos outros, vem também a exprimir o "verdadeiro eu" em sua solidão, na esperança de que se possa ser compreendido, obtendo a resposta e a aceitação que se procura para atenuar a própria angústia.

O superpovoamento do mundo e a pasteurização da cultura também influem no processo do crescimento da solidão, acrescido pelo medo que as pessoas ainda possam ter das relações íntimas. Neste aspecto, a internet veio preencher inequivocamente um determinado espaço na vida contemporânea, tendo criado, no entanto outra questão: uma nova forma de solidão e relacionamento no domínio digital - impessoal e ultra-frio – moldando desta forma, um novo modus operandi de comportamento social no qual sequer Rogers jamais poderia imaginar-se inserido.

Na experiência de um grupo de encontro é que pode residir também a solução para a solidão e para a ausência de relacionamento com os outros. Ao indivíduo, resta a solução de arriscar-se a tentar um contato humano direto, despindo-se da “armadura” que vestiu para se proteger das armadilhas da vida, aliviando-se de sua inexorável solidão e compartilhando com outros indivíduos, mostrando de forma digna, aspectos de sua personalidade “eu verdadeiro” – com todas as imperfeições que se possa ter – do que por aquela armadura construída ao longo dos anos.

Aplicação

Variadas aplicações dos grupos de encontro situam-se também no âmbito da indústria, onde o grupo centrado na tarefa tem sido o mais usado nas organizações industriais. Uma das mais inventivas utilizações foi o tratamento de problemas psicológicos que aparecem quando duas companhias se fundem; nas igrejas as quais adotaram rapidamente o grupo de encontro como parte dos seus programas, em seminários, com grupos de líderes religiosos, com membros de ordens e com paroquianos. O objetivo específico numa instituição religiosa é construir o sentido de comunidade, fomentando a comunicação entre as gerações mais velha e mais nova.

Relações Raciais

Rogers aborda a questão de se criar grupos de encontro nos quais possa ser colocada a questão racial, mas cita a dificuldade de financiamento e o medo que os indivíduos possam ter de um contato mais próximo com outras pessoas que podem ter atitudes, pensamentos e sentimentos muito diferentes entre si. Até 1970 pouco se avançou em termos de grupos de encontro na questão inter-racial entre negros e brancos e entre mestiços e brancos, o que poderia ser de grande valia para tratar as tensões interpessoais e intergrupais, sendo os grupos de encontro um excelente ponto de partida.

Instituições de Educação

Em algumas instituições educacionais têm-se encontrado possibilidades de se aumentar a participação nos programas de grupos de encontro por parte dos educandos e da melhoria da comunicação entre professores e alunos, administradores e professores, administradores e alunos. Tem havido experiências suficientes nesta linha e é perfeitamente possível aumentar a comunicação em todas essas relações, e é lamentável que a educação tenha demorado tanto para utilizar esta nova ferramenta social.

É possível se conseguir um número muito grande de mudanças nas estruturas administrativa, social e política das organizações, além de todos os tipos de inovação nas aulas que podem incluir também as famílias.

Futuro

Segundo Rogers o conceito dos grupos de encontro pode ser uma presa fácil para oportunistas e exploradores, que, em síntese, objetivam benefícios próprios, financeiros ou psicológicos. Neste âmbito se inserem os nudistas, os manipuladores, os desejosos de poder e fama, os quais podem vir a dominar o universo dos grupos de encontro. Neste caso, todas as proposições levarão ao charlatanismo e ao benefício dos líderes, e não para o crescimento pessoal dos participantes.

Em uma era cada vez mais tecnológica, industrializada, impessoal e de superpopulação, parece óbvio que os grupos de encontro propõnham-se vir a ser uma grande alternativa à desumanizacão da sociedade moderna. A partir do desenvolvimento ainda maior dos grupos de encontro, pessoas poderão vir a ter as devidas ferramentas para uma maior humanização do meio em que vivem para contrabalançar forças iguais e opostas.

De modo sistemático, os grupos de encontro podem ser um valioso instrumento contra a solidão e alienação do ser humano na sociedade contemporânea.

De meados do século passado até o presente momento, saudáveis e amplos têm sido os avanços e constantes desenvolvimentos dos grupos de encontro, suscitando pesquisas no Brasil que resumem bem o espírito deixado por Rogers, tais como os trabalhos de Regina Lúcia Leal Barros da Silveira.

Os grupos de encontro têm refletido em sua síntese a necessidade de uma maior comunicação social e psicológica para que a sociedade como um todo possa superar os grandes desafios estruturais da modernidade em uma era de contradições e grandes mudanças.

Proposta de grupo de encontro aplicado às artes

Uma boa proposta que podemos fazer é a criação de um grupo que se beneficie mutuamente em três direções distintas: fisicamente, socialmente e comercialmente.

Este grupo seria formado exclusivamente por atores da cadeia produtiva da cultura – artistas de todas as áreas, produtores executivos da área das artes, promoters, entre outros – e que sintam a real necessidade de se beneficiar da criação do mesmo. Este grupo se reuniria para “caminhadas culturais”, por exemplo, em algum parque da cidade, onde os participantes poderiam exercitar-se fisicamente em caminhadas de duas horas de duração.

Além do benefício obtido com o exercício físico, reconhecido cientificamente, durante o trajeto "uns" participantes teriam a oportunidade de socializar com "outros" participantes e também de trocar informações que poderiam ser úteis para a concretização de novas parcerias entre artistas, agentes e empresários, possibilitando, com isso, a concretização de novos negócios e geração de renda.



Andersen Viana
Doutorando em Música-composição pela Escola de Música da UFBA, maestro-compositor, produtor cultural e professor na Fundação Clóvis Salgado / Palácio das Artes e Escola Livre de Cinema em Belo Horizonte. Autor de 242 obras musicais. Detentor de dezoito premiações nacionais e internacionais.

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