Teoria
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Marketing Cultural como Política de Comunicação Institucional

 (1999, segundo semestre)


Manoel Marcondes Machado Neto


O homem não vive apenas em função do PNB.1
Samuelson, Paul

O Cleveland Museum tornou-se um dos maiores museus do mundo não apenas porque tinha um diretor que era notável para descobrir grandes objetos de arte; ele também era competente para transformar em patronos as pessoas que entravam simplesmente para fugir da chuva e ficar uma hora.2
Drucker, Peter



No ambiente empresarial brasileiro há, em diferentes níveis de sofisticação, difundida utilização de filosofias e de práticas de marketing que atingem o público em geral. Dentre essas práticas encontra-se o marketing cultural. Tal expressão carece ainda de fundamentação teórica. Buscar esta fundamentação é um dos objetivos de pesquisa ora em andamento na pós-graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP.

O trabalho visa comprovar a tese de que o marketing cultural pode contribuir, no contexto da comunicação institucional, para a conquista e a manutenção de uma boa imagem corporativa diante de públicos internos e externos.

Duas áreas acadêmicas possuem ambiente fértil para o aprofundamento das questões que envolvem tanto o marketing quanto os fenômenos da indústria cultural: a Administração e a Comunicação Social, sendo que nesta última, as Relações Públicas se atêm especificamente aos problemas de imagem e comunicação institucional.

Em Relações Públicas, a abordagem mais tradicional (Canfield e Bernays) aponta para o intento da obtenção da boa vontade (goodwill) da opinião pública para com a organização. Novas teorias, (Grunig e Porto Simões), reforçam o aspecto do relacionamento, da troca efetiva entre instituições e sociedade, de compromisso social da instituição, e da redução da distância entre o discurso e a ação nas organizações.

Em Administração, uma extensa relação de títulos publicados no Brasil oferece variadas soluções para os problemas de colocação de produtos e serviços da maneira mais política e comercialmente correta possível frente ao cliente/usuário/consumidor.

Pela revisão da literatura de marketing, dos poucos títulos disponíveis que tratam especificamente do marketing cultural e da literatura de Comunicação, pretende-se identificar conceitos comuns, caracterizando a pertinência e a eficácia desse tipo de atividade como política de comunicação institucional.

A validação de tal premissa será buscada através de estudo de caso.

A opção por esta metodologia visa a comprovação da tese de que o mecenato às artes contribui para a formação e a manutenção de imagem institucional positiva da organização para com suas comunidades interna e externa, em situação real de mercado e em corporações cuja filosofia de marketing aliada às práticas de marketing cultural tenham produzido, de fato, os efeitos benéficos de uma política institucional de apoio à arte e à cultura.

Por outro lado, note-se, o patrocínio às artes por parte das empresas, concorre, efetivamente, para a viabilização de manifestações culturais (que de outra forma não sairiam do papel), permitindo acesso a bens e serviços que, incentivados pelo Estado - via renúncia fiscal - complementam a sua própria política cultural.


Antecedentes

Nos últimos trinta anos, a literatura sobre os conceitos e práticas da Administração e do marketing, majoritariamente norte-americana (na qual se destacam Peter Drucker, Jerome McCarthy, Philip Kotler e Theodore Levitt), foi avidamente traduzida e adaptada, produzindo toda uma série de manuais que se espalhou pelas empresas privadas e estatais, chegando, finalmente, ao meio acadêmico.

O interesse pelo conjunto de técnicas e saberes oriundos, basicamente, de homens de negócios bem-sucedidos, diretores e gerentes de vendas notáveis, além de consultores empresariais independentes, se deu através de cursos de especialização na área de Administração de Empresas ministrados na Fundação Getúlio Vargas, que se tornou, inicialmente, o locus acadêmico de excelência nessa área de conhecimento.

Vale lembrar, ainda, que a vasta produção editorial em marketing continua girando em torno do registro de casos de sucesso empresarial.

Atualmente, começa a surgir, entre aqueles que se dedicam à pesquisa e à prática da Comunicação no âmbito da sociedade pós-industrial, um forte interesse em compreender o marketing como um meio de relacionamento interinstitucional e entre instituições e seus públicos-alvo, no âmbito do que se convencionou chamar de mercado, num sentido mais amplo.

Como forma de relacionamento, o marketing e suas práticas (principalmente no que toca ao comportamento de consumo) passam a ser objeto das ciências humanas e sociais, e em especial da Comunicação. Essa abordagem constitui o ambiente central do trabalho.

A Comunicação, como um campo acadêmico eminentemente interdisciplinar e como área de práticas sociais, privilegia o estudo da informação, da persuasão, do divertissement e da educação (Berlo).

As Relações Públicas, por sua vez, têm seu principal foco justamente naquele relacionamento interinstitucional e das instituições com seus públicos, sejam eles internos ou externos.

O Brasil, até há pouco tempo, antes da queda das alíquotas de importação (a partir de 1990), não constituía um ambiente propício ao desenvolvimento das práticas genuínas de marketing, posto que um alto grau de interferência do Estado na economia sempre descaracteriza práticas essencialmente relacionadas à satisfação das necessidades específicas de segmentos de consumo e à livre concorrência dirigida para a conquista da liderança daqueles segmentos e obtenção de lucro.

Protecionismo, cartéis e monopólios reduziram a pujança das práticas legítimas de marketing, que, no presente momento, face à queda de antigas barreiras alfandegárias e tarifárias, começam a mostrar-se por inteiro no Brasil. Bastaria, para essa constatação, lembrar que uma legislação digna de sociedade desenvolvida no que diz respeito à proteção dos direitos do consumidor (que nada mais é, aliás, que uma manifestação da cidadania), surgiu entre nós apenas em 1990.

E, finalmente, não se atribuiu o resultado das primeiras eleições diretas para presidente desde 1960, a marketing ?

O plano cruzado (governo Sarney, 1985-1990) demonstrou a fragilidade da nossa base industrial, embora decantada à época como a oitava economia do ocidente. Quando mais pessoas, físicas e jurídicas, puderam mais consumir (em função de uma relação mais favorável entre remunerações e preços), houve desabastecimento em praticamente todos os setores: da indústria automobilística aos supermercados; da indústria eletro-eletrônica ao programa do álcool combustível.

Acrescente-se que o plano econômico posto em cena em 1994 - o plano real - vem trazendo, com pequenas alterações, as mesmas conseqüências anteriores. O desabastecimento de então só não se repete em função da abertura (ainda maior) aos produtos estrangeiros e às sufocantes taxas de juros impostas pela política econômica, o que, de modo geral, inibe o consumo.

O mesmo governo Sarney, que convocava “fiscais” e que promoveu a “caça ao boi gordo”, implementou, especificamente para o segmento composto por artistas e produtores culturais, a lei no 7.505/86 de incentivo fiscal. Tal instrumento legal, em que o Estado concedia uma renúncia fiscal importante, permitiu a empresas públicas e privadas (através das modalidades de apoio como doação, patrocínio ou investimento a iniciativas culturais - com abatimento direto do imposto de renda devido de 100, 80 e 50 por cento da quantia empregada, respectivamente), apoiarem um ciclo áureo de mecenato no Brasil: a era da lei Sarney.

Nunca antes no Brasil tantas empresas (e muitas delas estreantes nos media), ofereceram apoio a tantas manifestações artístico-culturais.

O governo Collor, que se seguiu, aboliu todos os subsídios e incentivos fiscais; criou um instrumento semelhante (não sem antes estabelecer um verdadeiro estado de coma em toda a esfera cultural, extinguindo órgãos como FUNARTE, EMBRAFILME, IPHAN), o qual recebeu a alcunha de seu secretário da Cultura - a lei Rouanet. Muitas críticas foram (e continuam sendo) feitas a essa lei, relativas, principalmente, à sua excessiva burocracia, o que minimizou significativamente a atuação das empresas em patrocínio cultural.

Leis estaduais e municipais seguiram-se, no mesmo espírito de renúncia fiscal.

Há que se ressaltar que muitas empresas apoiavam e continuam apoiando manifestações artístico-culturais, desde a realização de espetáculos à manutenção de espaços, independente de incentivos fiscais. Projetos como o Aquarius, por exemplo, de O Globo e Sul América Seguros datam da década de 70.

A atual legislação federal de incentivo à cultura veio a ser aperfeiçoada somente em 1995, no atual governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo à frente da Pasta da Cultura o ministro Francisco Weffort. Esta regulamentação admitiu a figura do agente cultural, perfil fundamental na produção cultural, até então não reconhecido, não profissionalizado e às vezes até mal afamado como mero intermediário à cata de comissões. Aliás, o amadorismo ainda muito presente na área foi circunstância determinante e co-responsável pela imagem “mambembe” (com exceções) das produções artísticas brasileiras: das festas folclóricas ao cinema, do teatro amador à ópera. As exceções, superproduções principalmente, são, em sua maior parte, ligadas à televisão e aos grandes nomes do que a crítica batiza “teatrão”, sem falar na indústria fonográfica, a qual soube capitalizar, nos últimos trinta anos, movimentos como a bossa nova, a tropicália, a jovem guarda, o rock nacional, a lambada, o reggae, o sertanejo, o olodum/world music, o rap e, atualmente, a onda do funk e do pagode tupiniquins. O Brasil é caso único no mundo em que a produção e a difusão musical local suplantam a produção estrangeira.


Marketing cultural?

O termo, bastante difundido no senso comum, carece de conceituação, mas parece adequar-se a uma gama definida de usos, conforme a pesquisa irá demonstrar.

É justamente a análise do que ocorreu a partir das leis de incentivo fiscal com a produção cultural brasileira que configura a tese de doutoramento; levantando evidências que confirmem a validade e a pertinência da atuação das organizações como mecenas nas mais diversas áreas da manifestação artístico-cultural no Brasil, complementando a política de Estado no setor e capitalizando, com tais iniciativas, a boa vontade de governos e da sociedade, ou ainda, meramente de segmentos bastante específicos de públicos de interesse, a exemplo do que correntemente se dá nos países desenvolvidos.

Na história das manifestações artísticas e culturais do Brasil contemporâneo, o período compreendido entre 1986 e 1989 marcou o auge do apoio institucional à cultura via lei Sarney, de incentivos fiscais.

Algumas publicações surgiram então, obtendo repercussão justamente pelo momento oportuno que se configurava.

A literatura emergente não apresentou, contudo, aprofundamento das reais circunstâncias e meios pelos quais se explicaria o interesse (ou desinteresse) das organizações brasileiras em fazer marketing cultural. Tampouco aprofundavam quanto ao como fazer da área.

Tais trabalhos tiveram origem, assim como a bibliografia de marketing, na experiência acumulada por agentes que, de diversas formas, atuaram na área da produção cultural na última década, quer fosse produzindo propriamente, quer fosse ministrando inúmeros cursos de marketing cultural, surgidos da necessidade de difusão e entendimento da legislação de incentivos fiscais. São relatos de experiências e check lists.

Falta ainda ao meio acadêmico a exploração do tema, multidisciplinar por excelência, uma vez que combina áreas tão diferentes como produção cultural, administração, marketing, políticas cultural, tributária e trabalhista, finanças, artes, promoção, publicidade e relações públicas. Praticamente intocado no meio acadêmico, o tema é a razão de ser da pesquisa, no âmbito da linha de pesquisa Comunicação Institucional: Políticas e Processos, do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Margarida M. K. Kunsch.

O trabalho visa analisar as relações desenvolvidas entre organizações patrocinadoras e a produção artístico-cultural no Brasil ao longo da última década, quando a atividade alcançou relevância, suscitando a reflexão e a necessidade de aprofundamento teórico.

Além disso, pretende o estudo oferecer um viés crítico de como se produziu esse relacionamento de mecenato entre empresa e artista/produtor cultural e Estado, aplicando os achados da pesquisa aos conceitos e ao planejamento da comunicação institucional.

Para que se possa aquilatar resultados do uso da promoção institucional via marketing cultural optou-se pela realização de estudo de caso como forma de inserção no campo empírico capaz de espelhar uma realidade social e cultural que concretamente situe o objeto teórico-prático da tese.

Concluindo

O que se busca é a consagração científica do que seja o marketing cultural, o porquê de sua adoção pelas instituições públicas e privadas e o estudo do impacto dessa atividade sobre os agentes que a compõem.

Tal aprofundamento, com as características de pesquisa científica, só pode ocorrer, de modo consistente e com fidedignidade, no meio acadêmico; e a tese é justamente um esforço nesse sentido.

Com as conclusões que advirão deste e de futuros trabalhos espera-se um mais abalizado mapeamento da atividade de marketing cultural em nosso país.

A partir desta compreensão augura-se mais efetiva participação de pessoas físicas e jurídicas na produção cultural brasileira, bem como se quer contribuir para a formação de perfis profissionais especializados no trato das questões de cultura e mercado.



Notas

1. KOTLER, P. Op cit. 1988. p. 286.
2. DRUCKER, P. Op. cit. 1990. p. 79.
3.Em março de 1994, o Conselho Departamental da FCS/UERJ aprovou a criação do curso de extensão universitária Marketing Cultural Teoria & Prática (60 h/aula). Até a presente data, cinco turmas o concluíram. Com base na expressiva demanda de formação especializada, o Departamento de RP da FCS/UERJ iniciou estudos e encaminhou às instâncias superiores , em 1997, a criação de um curso de pós-graduação lato sensu (360 h/aula) em Marketing Cultural.



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Manoel Marcondes Machado Neto

Professor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Graduado em Relações Públicas (IPCS/UERJ), Mestre em Comunicação (ECO/UFRJ) e Doutor em Ciências da Comunicação (ECA/USP). Atua como produtor cultural e consultor de empresas desde 1980.
Criador do Curso "Marketing Cultural Teoria & Prática" do CEPUERJ.

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