Prática
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Comentário sobre o "velho" marketing cultural

 (2009, segundo semestre)


Manoel Marcondes Machado Neto


Impossível deixar passar em branco a matéria publicada no jornal O Globo em 14 de julho de 2009. O aniversário da queda da Bastilha deve ter inspirado os deuses do marketing, se é que eles existem, a expor as mazelas mentais de tantos "fazedores" nessa área.

"Patrocínio negado" é o nome da matéria de autoria de Mauro Ventura que aborda as agruras de produtores e captadores de recursos quando trabalhando, em filmes ou peças teatrais ou produções musicais que versam sobre temáticas como drogas, prostituição, violência e homossexualidade.

Algumas "pérolas" que sempre ouvimos de poderosos (às vezes tão poderosos quanto ignorantes e incultos) gerentes de marketing aparecem na matéria: perguntas sobre quem é a atriz da Globo que protagoniza o filme, tentativas de mudança no roteiro (até o nome do filme "O cheiro do ralo", a matéria revela, tentou-se modificar) ou, simplesmente - como reforça o jornalista - "a porta na cara", como aconteceu muitas vezes com os produtores de "Simonal - Ninguém sabe o duro que dei". Até a personagem Seu Creysson (do casseta Claudio Manoel, que com Calvito Leal e Micael Langer produziram o filme) teve que entrar na maratona de cold calls e, mesmo assim, isto só ajudou a abrir portas. Dinheiro que é bom, nada. A não ser o de alguns amigos da arte que, justamente, pelo amor à arte, ao projeto, aos seus autores - ou seja, pelas razões certas! - resolveram colocar dinheiro na iniciativa sem pedir metros quadrados de propaganda em troca.

(Já) velhas questões

Um grande problema é a mistura entre o público e o privado. Os produtores brasileiros querem produzir os seus sonhos (privados) com o dinheiro alheio (dos outros). E esperneiam quando não o conseguem. Aí vão aos balcões dos governos (que deveriam ser "de todos") e também se revoltam quando não recebem dinheiro público.

Outro problema é a confusão entre patrocinador e mecenas. Em razão do pensamento torto que se criou no país desde a Lei Sarney, os tais executivos de marketing - da "perfumada" indústria do sabonete ao das poluentes petroleiras - julgam-se mecenas contemporâneos porque penduram suas marcas em tudo que possa ser visto, assistido, ouvido ou acessado acerca da produção dos pobres e infelizes artistas que resolvem "ajudar", ou "apoiar" com seus patrocínios, que, aliás, nada de "seus" são, pois em 99% das vezes trata-se de fazer gentileza com o chapéu (dinheiro meu, seu, nosso) dos contribuintes.

A saída é empreender

O que parece que realizadores estão finalmente entendendo, depois do cobertor curtíssimo das leis de incentivo à cultura (Rouanet, Audiovisual, ICMS, ISS etc.) é que a atividade de produção cultural pode ser encarada como outro negócio qualquer. Põe-se dinheiro e trabalho (muito trabalho) em algo em que se acredita. O resultado poderá vir ou não. Há risco. E esse risco faz parte do negócio da produção cultural no mundo todo. Poucos lugares (talvez nem um, exceto o Canadá, por razões óbvias), como o Brasil, são capazes de doar dinheiro público a um Cirque de Soleil ou a um Coca-Cola Vibezone. Há risco pessoal! A falta desse risco é justamente o que distorce a compreensão dos players desse mercado (atores, diretores, músicos, sonoplastas, figurinistas, maquinistas, contra-regras, roadies, divulgadores etc. etc. etc.) quanto a financiamento, investimento, rentabilidade, viabilidade, autosustentabilidade e outros jargões que qualquer negócio envolve, desde abrir uma pastelaria até construir um novo estaleiro.

Para tanto é que cada grupo criativo deve procurar educar um de seus membros (ou trazer alguém já "pronto") para tratar das questões de marketing cultural.

E, por incrível que pareça, ainda se pergunta por aí: por que "marketing" cultural?

Infelizmente, a maneira como tem sido conduzida a política cultural no Brasil nos últimos 23 anos (a Lei Sarney é de 2 de julho de 1986), baseada quase que exclusivamente em incentivos fiscais, gerou esse tipo de pensamento.

Apoiar a cultura com incentivo fiscal deveria servir para criar uma cultura de mecenato, o que, infelizmente, ainda não aconteceu. Há exceções, mas isto só reforça a regra. O incentivo – como acontece em qualquer país ou atividade – deve sair de cena em curto prazo. E ficam aqueles agentes que "aprenderam" e apreciaram os resultados a ponto de passar a destinar o que o ministro chama de "dinheiro bom" (parte de suas verbas de comunicação) ao financiamento ou apoio à viabilização de manifestações artísticas e espaços culturais, ajudando a dar forma (é claro que quem manda aqui é o artista, o criador), a atribuir preço (que remunere a ação mas que também esteja ao alcance do seu público), distribuir e promover – por tudo isso é que a atividade é de marketing cultural e não de engenharia cultural, arquitetura cultural, atitude cultural ou qualquer bobagem dessas que alguns inventam para ganhar dinheiro nas costas do artista.

Finalmente, o patrocinador (com ou sem incentivos fiscais) contribui para que o artista, o grupo, o espaço, a arte enfim, ganhem espaço e procurem o seu público, o seu nicho no mercado, aumentando as opções de fruição cultural da sociedade.



Manoel Marcondes Machado Neto
Pesquisador e professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Autor da pioneira tese "Marketing Cultural: características, modalidades e seu uso como política de comunicação institucional" (USP, 1999) e do livro "Marketing Cultural: das práticas à teoria" (Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2a. edição, 2005).

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