Prática
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As transformações da relação museu e público sob a influência das tecnologias da informação

 (2006, segundo semestre)


Rosane Maria Rocha de Carvalho


Este artigo é fruto da tese de doutorado em Ciência da Informação denominada “As transformações da relação museu e público: as influências das tecnologias da informação e comunicação no desenvolvimento de um público virtual”, defendida e aprovada, na UFRJ, em março de 2005.

A relação Museu e Público vem sendo meu objeto de estudo tanto academicamente, nos cursos de mestrado (Carvalho, 1998) e de doutorado em Ciência da Informação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, quanto, sistematicamente, na minha atividade profissional em museus.

Desde 1988, então na Fundação Nacional Pró-Memória, venho desenvolvendo uma metodologia de pesquisa de público para ser aplicada em 30 museus federais administrados pela instituição (Pszczol, 1990). Em 1996, realizei um levantamento para a Pesquisa do Perfil do Visitante do Museu da República (Carvalho, 1998) e, recentemente, em 1999 e 2001, mais três pesquisas qualitativas com o público de exposições temporárias do Museu Histórico Nacional (Carvalho, 2002, p. 395).

Anteriormente, na dissertação de mestrado, analisei o Museu como um sistema de comunicação e informação apoiado num quadro teórico que leva em conta autores da Museologia, da Comunicação e da Ciência da Informação. Dando continuidade a estes estudos, na tese de doutoramento, a partir do Museu Histórico Nacional, utilizado como ambiente de estudo, analisei o Museu como sistema de informação na integração do processo de geração, transmissão e disseminação da informação, inclusive em rede eletrônica.

Numa primeira etapa, procurei analisar as mensagens do correio eletrônico de visitantes virtuais do museu para caracterizar o seu perfil e principais demandas de informação. Com isto constatei o desenvolvimento do site e do serviço de mensagens eletrônicas do MHN, recursos de informação e comunicação da instituição, que evoluíram de uma fase de implantação (1996) até a sua consolidação como serviço de informação (2003). Na segunda etapa, verifiquei com base em entrevistas na Internet, o comportamento e a relação entre o público presencial e virtual de museu.

A partir desta pesquisa e com base nos seus resultados, esbocei uma proposta de portal de Museologia e Museus que, se implantado, facilitará o acesso, pesquisas e consultas às informações já disponibilizadas na Internet sobre os museus e o campo da Museologia nos seus mais variados aspectos, no Brasil e no exterior.

Iniciamos este artigo com um breve panorama da evolução mundial das tecnologias da informação, seguido de uma discussão como se dá a relação do museu e seu público neste ambiente das tecnologias, salientando a importância da contribuição da Ciência da Informação para a Museologia e a convergência das duas áreas.

A sociedade da informação

O cenário mundial sofreu significativas transformações na década de 1980, envolvendo aspectos e dimensões tecnológicas, geopolíticas, informacionais e sociais, que se relacionam de maneira dinâmica, e o museu não esteve imune ao novo contexto. Tal como afirma Castells (1993), “o papel crescentemente importante do conhecimento e da informação é uma característica dos novos sistemas econômicos avançados, transcendendo as características de outros modos de produção”. Um novo tipo de economia, a economia informacional, se articula em consonância com uma importante revolução tecnológica: a das tecnologias da informação". Estas se baseiam em um conjunto interligado de inovações em microeletrônica, informática e telecomunicações, que possibilitaram maior capacidade de estocagem, elocidade de transmissão e disseminação da informação.

As transformações por que vem passando o mundo contemporâneo fizeram “emergir uma nova era, da sociedade de informação, impulsionada pela globalização e as tecnologias da informação, principalmente os computadores, inicialmente de grande porte e posteriormente os micros e, mais recentemente, a Internet e a Web”. (Pinheiro, 2003, p. 1)

Nos museus o advento do microcomputador permitiu acelerar a automação de acervos, além de desenvolver redes e sistemas de informação mais aperfeiçoados, que revelassem com maior rapidez aos usuários consistentes processos de catalogação e informação museológica. Assim, o ponto alto na transformação da interação comunicativa e de informação aconteceu com o crescimento da Internet. Através dessa nova ferramenta, o usuário passou a experimentar uma nova autonomia frente a um mar de informações, pelo acesso à “rede das redes”. A Internet expandiu as possibilidades de disseminação da informação das instituições museológicas para inúmeros usuários. Os museus, assim, podem estar pela primeira vez, libertos de seu localismo inerente e da fisicalidade que requer que seus usuários sejam ‘visitantes em pessoa’. Os visitantes virtuais são os usuários dos museus através da Internet que podem ser também visitantes presenciais das instituições museológicas

Museus, público e redes eletrônicas

Atualmente, as redes eletrônicas têm transformado a relação Museu e Público, levando-se em conta que os museus vêm utilizando largamente os websites para sua divulgação institucional e processos de comunicação e informação eletrônica.

Na análise entre a visita presencial ao museu e o uso que o público faz do seu website, o site de museu seria não somente um estimulador de uma visita física às exposições como possibilitaria a busca de informação especializada, contida em outros setores da instituição. Portanto, as pesquisas de público direcionadas ao público virtual podem contribuir para espelhar o atual quadro de uso da Internet pelo público de museu.

Dentro deste contexto virtual, destacamos as diferenças entre os recursos eletrônicos de comunicação – o correio eletrônico, as listas de discussão, as salas virtuais (chats), newsgroups e teleconferências e os recursos ou serviços de informação, que são as bibliotecas virtuais, as bibliotecas digitais e os catálogos online de acesso público (OPACs). (Pinheiro, 2003)

Destes recursos trabalhei na tese especialmente o correio eletrônico ou e-mail. Este foi o primeiro serviço da rede e é ainda o mais utilizado. Trata-se de um conjunto de protocolos e programas que permitem a transmissão de mensagens de texto (que podem conter qualquer tipo de arquivos digitais como imagens ou som) entre os usuários conectados a uma rede de computadores. Com a disseminação da Internet, o e-mail tornou-se uma forma prática e rápida de comunicação.

Os museus utilizam os recursos eletrônicos de comunicação e informação de forma variada, apresentando também sua programação de exposições, de serviços, além de se comunicar com o seu público, formando um crescente mailing list ou cadastro de público interessado em receber, por e-mail, a divulgação de sua programação cultural.

Os museus têm sido objeto cada vez mais freqüente de demanda de informação especializada, tanto com relação às pesquisas sobre os objetos e coleções museológicas, assim como aos arquivos históricos de documentos e materiais iconográficos – gravuras, desenhos, mapas e fotografias – e às coleções de suas bibliotecas, também especializadas. (Carvalho, 1998)

A Ciência da Informação e a Museologia

A Ciência da Informação vem estudando primordialmente a informação nas áreas de Ciência e Tecnologia, porém recentemente vem desenvolvendo uma linha de pesquisa sobre Informação em Arte, inclusive no Brasil, que abrange o ambiente de museus e a informação na arte também através da imagem. Este processo vem sendo liderado pela professora Lena Vania Ribeiro Pinheiro que, em 2000, no IBICT editou uma coletânea com artigos oriundos de dissertações de mestrado e teses de doutorado de alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, que refletem o desenvolvimento desta linha de pesquisa.
Segundo Pinheiro (1994, p. 186) “as instituições de arte e cultura no Brasil começaram a automação de suas coleções somente no final dos anos 80, mas não constituíram redes e sistemas de informação, conforme os conceitos desenvolvidos na Ciência da Informação.” Esta autora destaca entre as coleções de museus e artistas três projetos pioneiros que exemplificam esta linha de pesquisa: o Projeto Portinari, o Projeto Lygia Clark, no MAM e o SIMBA no Museu Nacional de Belas Artes, descritos a seguir.

O primeiro projeto fez um levantamento de toda a produção artística do pintor Cândido Portinari, identificando suas obras nas instituições culturais e coleções particulares no país e no exterior, dados reunidos numa base de dados depois editada num catálogo raisoné. O Projeto Portinari foi abrigado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro a partir de 1979. O segundo, Projeto Lygia Clark, desenvolvido no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com o apoio do CNPq, reuniu também numa base de dados registros de documentos sobre a vida e a obra da artista plástica, artigos, catálogos e críticas sobre a sua produção, além de depoimentos sobre seu trabalho corporal e psicanalítico, contando para isso com uma equipe interdisciplinar. Este projeto foi coordenado inicialmente pelo crítico Paulo Herkenhoff e, posteriormente pela professora Lena Vania Ribeiro Pinheiro.

O SIMBA – Sistema de Informação do Acervo do Museu Nacional de Belas Artes, desenvolvido de 1992 a 1994, para automação de acervo museológico (cerca de 15 mil obras de arte nacionais e estrangeiras) também desenvolvido por equipe interdisciplinar, foi coordenado pela documentalista do IPHAN, Helena Dodd Ferrez, também mestre em Ciência da Informação.

No panorama mais recente da informação em museu e da convergência da Museologia e da Ciência da Informação no uso de novas tecnologias, obtivemos aportes substanciais na tese de doutorado de Lima (2003). A museóloga conseguiu mapear a interdisciplinaridade dessas áreas, na sua institucionalização, através dos temas comuns, desenvolvidos quer nas publicações quanto nos seminários anuais, na mobilidade e na presença de participantes/autores numa área e na outra, demonstrando a interseção na comunicação científica dos dois campos.

Enfocando as atividades ligadas à documentação e informação de acervos museológicos, chamadas Documentação Museológica, baseadas em sistemas de informação, necessitaram da interação interdisciplinar de profissionais e de comunidades acadêmicas para o seu desenvolvimento. A autora identifica as contribuições do CIDOC- Comitê de Documentação do ICOM, da Fundação J. Paul Getty e da Sociedade Americana para Ciência da Informação (Asist).

O CIDOC – Comitê de Documentação do ICOM (Conselho Internacional de Museus), dentre outras conquistas, desenvolveu o conceito do profissional de museu “especialista em informação” – além de propor estruturas técnico-administrativas, que integrassem os departamentos de coleções a departamentos especializados como Documentação, Registro, Computação e Conservação nos museus. Também desenvolveu padrões para informação museológica, necessários ao bom desempenho de sistemas de informação além de propiciar o desenvolvimento de diversas bases de dados muito utilizadas por museus norte-americanos e europeus.

A Fundação J. Paul Getty desempenha papel de parceira colaboradora de informação (contributor information partner) com suas bases de dados sobre Preservação/Conservação do patrimônio cultural: Getty Conservation Institute e AATA – Art and Architectural Technical Abstracts”., além de estabelecer padrões adotdos por museus de diversos países. Lima (2003, p.171-172) ressalta que este “estudo e as práticas realizadas – envolvendo o histórico da Informação em Arte – foram desenvolvidos, de modo enfático nos Estados Unidos, tendo como agente de destaque a Fundação J. Paul Getty e, em ambiência de ordem museológica, qual seja, o museu e suas diversificadas seções técnicas, incluindo os setores responsáveis pela pesquisa, documentação, biblioteca e arquivo”.

Além da contribuição do CIDOC e da Getty, a ASIST - American Society for Information Science and Technology, dedica atenção aos estudos de informação em museus. Lima identificou os eventos voltados para as tecnologias da informação, documentação e museus, além de arte, fotografia, imagens digitais, coleções, bibliotecas digitais, arquivos, Internet, etc. mapeando a interface da Ciência da Informação com a Museologia.

Duas outras pesquisas produzidas na Ciência da Informação foram relevantes para a construção da minha tese. A dissertação de Miranda (2001), sobre informação e sites de museus brasileiros, aborda os conteúdos informacionais a partir da análise de 24 museus de arte na Internet. Enfoca o museu enquanto espaço informacional e comunicacional, articulando os conceitos de museu, objeto e informação e estuda a rede como recurso tecnológico para a disseminação da informação museológica.

Nos casos da Europa e principalmente dos Estados Unidos, há uma grande quantidade de estudos sobre a utilização das novas tecnologias nos museus, no entanto, o mesmo não se observa no Brasil. Miranda já havia apontado este problema e afirma que há carência de estudos sobre o número de museus e sites de museus brasileiros, sobre o histórico de uso desta ferramenta, sobre a análise dos conteúdos veiculados, bem como sobre sua recepção e sua utilização pelos usuários.

Considerando que a concretização do processo informacional entre o museu e seus usuários, permitindo o acesso e o uso de informações registradas, depende diretamente da implantação de programas que garantam o fluxo da informação e da existência de políticas públicas e de investimento nesta atividade, acredita-se que pesquisas nesta área sejam oportunas e atuais.

Outra pesquisa, a tese de doutorado de Loureiro (2003) sobre museus de arte no ciberespaço, conceitua os museus virtuais como “sítios construídos e mantidos exclusivamente na Web”, além de fazer um levantamento e análise dos museus virtuais, exemplificando estas poucas experiências no Brasil e no exterior, que são apenas nove.
Fora da Ciência da Informação, outra contribuição é da museóloga Tereza Scheiner (2004), em sua tese de doutorado em Comunicação, ao discutir o conceito de patrimônio intangível (ou imaterial) destaca também experiências de museus tradicionais que disponibilizam na rede excelentes produtos virtuais, fazendo convergir criação e informação. Destaca a National Gallery, do Canadá; o Museu Getty, na Califórnia; o Metropolitan, de Nova Iorque. Cita também as iniciativas mais bem sucedidas de recriação virtual de edifícios que constituem patrimônio mundial e que abrigam museus, como a Abadia de Cluny, em Paris; ou os aquedutos romanos. No Brasil destaca a experiência de recriação virtual o Museu de Paranaguá, no Paraná e, o Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

Como museus verdadeiramente virtuais, Scheiner destaca o Museu Virtual da Cultura Indígena (Indigenous Tribal Culture Virtual Museum), apoiado pela UNESCO, que se refere às tribos da Tailândia. E na América Latina, além dos já citados por Loureiro, menciona o Museu Virtual de Estética, sediado na Universidade do Norte Colombiano. Scheiner joga uma nova luz sobre os museus físicos que se representam no ciberespaço, sem constituir o que denominamos museu virtual. Para os museus físicos o “conceito de ‘virtual’ parece apropriado para caracterizar a metamorfose aplicada à imagem e ao texto, matérias de que se compõe a realidade comunicacional da maioria dos museus. Esta metamorfose garantiria aos museus acessibilidade e disponibilidade jamais antes experimentadas – proposta altamente sedutora, pelo menos para os museus ‘tradicionais’’, cujo objetivo maior é relacionar-se com o ‘público’. Aqui, todos os recursos de documentação, interpretação e conservação são transformados em representação icônica, sinalética, dos acervos preservados. O meio virtual garante um potencial infinito de acessibilidade.” (Scheiner, 2004, p.262-263)

São estas as pesquisas e experiências mais recentes sobre a informação em museu e o uso de novas tecnologias. É importante salientar que neste momento já devem existir outros projetos digitais ou virtuais voltados para disseminação de conteúdos museológicos na Internet. Não é nossa pretensão esgotar o assunto e sim propiciar ao leitor um breve panorama. Além disso, é incontestável a importância da convergência e o resultado de trabalho interdisciplinar da Museologia e da Ciência da Informação no tratamento da informação de museu e na sua disseminação através das tecnologias da informação.
Portanto o museu virtual é aquele construído sem equivalência no espaço físico, com obras criadas digitalmente, não sendo substituto equivalente ou evolução dos primeiros. Na minha tese, não enfoquei museus virtuais, uma das possibilidades de museus no ciberespaço, pois o estudo de caso foi o Museu Histórico Nacional, um museu constituído fisicamente com acervo, mas que desenvolve e apresenta recursos não só de comunicação eletrônica, como o site e os e-mails enviados ao Museu, objeto de nossa pesquisa empírica, mas também recursos de informação eletrônica.

O modelo de transferência da informação – hoje adotado na maioria das instituições acadêmicas de ensino e pesquisa e culturais – não atende às exigências atuais de socialização da informação. A socialização da informação, segundo Christovão e Braga (1994, p.14), é concebida como a construção, tratamento e divulgação da informação de diferentes tipos em parceria, ou seja, a partir da definição conjunta por parte de produtores e usuários, que aqui se con-fundiriam, de suas necessidades, e de quais seriam os caminhos (metodologias) mais adequados para atendê-los.

As metodologias de sistema de informação, segundo Leite (1996, p. 58), privilegiam a implementação de sistemas de informação especializados, desenvolvidos quase exclusivamente para pesquisadores e canais formais de comunicação. Em geral, estes sistemas ignoram tanto os imprevisíveis caminhos da geração e busca da informação, como os interesses da comunidade não especializada, contribuindo, assim, para a desinformação e a exclusão cultural de vastas camadas da sociedade. Para a autora, surge a necessidade de dispor de mecanismos e metodologias eficientes, capazes de alargar os objetivos dos sistemas ou unidades de informação. Estes devem ampliar sua ação quantitativa e qualitativamente, para atender a multiplicidade de públicos e a especificidade das necessidades informacionais, criando condições para que as informações sejam adequadamente distribuídas, de forma a produzir conhecimento e alcançar a sua finalidade, que é promover o desenvolvimento.

A disponibilidade da informação não representa possibilidade de acesso ou condição única de uso. O canal de transferência desta informação deve ser confiável e a estrutura, onde a informação está disponível, não deve ser limitada por barreiras de caráter econômico, social ou psicológico.

Comunicação e informação eletrônica no Museu Histórico Nacional

O Museu Histórico Nacional, onde trabalhei nos últimos anos, foi meu objeto de estudo, tanto no que diz respeito às relações dos diversos setores do museu de forma presencial, como ao website da instituição. A intenção da pesquisa foi, portanto, contribuir para uma maior disponibilização de informação do MHN em seu site, relativa aos seus diferentes repositórios de informação, catálogos, bases de dados etc. Como metodologia, foi realizada uma análise do arquivo de mensagens enviadas por e-mail pelos usuários do site do MHN de 1996 até 2003; averiguou-se como o público reagia e utilizava a rede eletrônica para o acesso ao MHN. Nesse sentido, foram analisados todos os e-mails recebidos e verificados os pedidos de informação mais solicitados, bem como a demanda, a necessidade e o uso de informação deste público do museu pela rede. Uma hipótese possível seria a necessidade de informação especializada para a pesquisa.

A segunda parte da pesquisa empírica compreendeu uma pesquisa de público virtual, com parcela das pessoas que já haviam acessado o website do MHN e solicitado informação por e-mail. Para tanto, foi selecionada uma amostra deste universo virtual, para a qual foi enviado um questionário com a intenção de verificar a relação entre o usuário virtual e o visitante presencial. Dentre outras questões, procurou-se saber se a consulta ao site do MHN na rede influenciava na visitação; se o público da rede, que consulta o site, era o mesmo que visitava o MHN; e se este público virtual ampliava o processo de transferência da informação, expandindo-se para outros departamentos, como Numismática, Arquivo Histórico, Biblioteca e Reserva Técnica.

Após uma extensa e detalhada análise dos quase 2200 e-mails recebidos e da pesquisa com o público virtual, foi estabelecida a seguinte consideração: ao examinar as transformações na relação museu e público a partir das redes eletrônicas de comunicação e informação, os recursos eletrônicos foram considerados não como substitutos, mas como estímulo à visita local ou presencial, além de um importante instrumento de disseminação, mantendo um elo constante de comunicação e informação entre museu e público.

A pesquisa demonstrou que as tecnologias da informação e da comunicação, em sua consolidação tanto no exterior como no Brasil, auxiliam um museu a divulgar suas atividades, a disseminar democraticamente as informações disponíveis em seus inventários de acervos para usuários que estejam geograficamente distantes da sua localização física e a ampliar o público virtual. No caso de museus, a virtualidade não substitui a visita presencial, ao contrário, pode estimulá-la como forma de planejamento prévio numa viagem ou numa visita in loco à instituição. A experiência do visitante no Museu é única, pessoal e intransferível. Cada ser humano absorve as informações das exposições de forma diferenciada.

Por tudo isso, vislumbrou-se um importante uso dos sites de museus para o universo educacional. O Museu Histórico Nacional foi pioneiro na iniciativa, seu site conquistou visibilidade no território virtual como conquistou clientela cativa ou usuários habitués. Tais fatos denotam que a introdução de novo mecanismo de comunicação com o público teve seu tempo de amadurecimento tanto para a instituição quanto para o público.

Portanto, observou-se que o site do Museu tem atendido à expectativa do público, na medida em que foi desenhado como forma de divulgação de seus acervos e atividades. Além disso, tem recebido muitos elogios e o maior número de mensagens sobre um tema foi sobre o seu site. A importância da comunicação, como elemento fundamental na transferência da informação, ficou evidenciada pelo fato de que 51% das mensagens sobre o museu abordavam as atividades de comunicação, como as exposições, publicações, palestras, seminários, o próprio site e outras atividades. As informações mais demandadas ao MHN foram as de comunicação e informação (divulgação e disseminação) do Museu com o público, assim como do tratamento técnico das coleções (ações museológicas) e pesquisa e infra-estrutura de informação, ou seja, as três funções museológicas definidas por Mensch (1992, p.IX): comunicação, preservação e pesquisa.

É importante para um museu articular estas três funções, para obter um bom resultado de todas as suas ações. Nos sites de museus, estas funções atuam em maior ou menor grau. Schweibenz (2004,p.3) dividiu-os em três categorias de interesse: o ‘museu folheto’ , por ser institucional apresenta mais acentuadamente a função de comunicação, ao divulgar o museu, o acervo, os setores e serviços e, também, a de preservação ao indicar os setores de acervo e o tipo de coleções que abrigam; o ‘museu de conteúdo’ , focado nas coleções e que disponibiliza bases de dados dos acervos, apresenta mais fortemente a função de disseminação, a partir da preservação e processamento técnico dos acervos, constituída pelas informações principais que os caracterizam, como título, autor, material, data, origem etc; e a função de pesquisa, disponibilizar os acervos como fontes de informação.

Segundo o autor, a categoria que idealmente atrairia o visitante virtual para ver os objetos reais no museu seria o tipo ‘museu do aprendizado’, que apresenta diversos pontos de acesso para seus usuários, de acordo com suas idades, antecedentes e conhecimentos, além de apresentar diversos links para informações adicionais, que motivariam o visitante virtual a aprender mais acerca de um assunto de seu interesse. Naturalmente trata-se de informação especializada, direcionada para segmentos de público específicos. No caso do ‘museu do aprendizado’, as três funções aparecem claramente em sinergia. A função da comunicação, através dos links, conexões e com o direcionamento para os diferentes grupos que compõem a audiência do museu. A de disseminação – segundo a Ciência da Informação, apoiada na função museológica da preservação –, porque é permitido ao usuário aprofundar seu interesse por determinados objetos ou assuntos, levando-se em conta que as bases de dados sobre as coleções estariam disponíveis para acesso direto. E a de pesquisa, porque são estimuladas as conexões mentais a partir dos links, a partir dos acervos, que se complementariam com informações adicionais. O ideal é que um website de museu reúna ou tenda a reunir as características das três categorias descritas, pois não são excludentes; pelo contrário, se somam.

Observa-se ainda que o potencial de crescimento do público virtual do MHN é grande. Em pesquisas sobre o uso da Internet mostrou-se que 40% dos internautas brasileiros visitaram sites governamentais em 2004, incluindo-se o do Museu Histórico Nacional. Na medida em que usuários das classes econômicas menos favorecidas tenham acesso à Internet, estes sites terão sua importância ampliada. O acesso à cultura é uma forma de inclusão social e de exercer a cidadania. Na pesquisa, o Museu Histórico Nacional, visto como sistema de informação e comunicação, demonstrou suas funções de gerador, transmissor e disseminador de informação, gerando conhecimento na sua transferência. O site e o sistema de respostas às mensagens eletrônicas têm contribuído para intensificar o fluxo de comunicação e informação e para a formação de um público virtual, que em 2004 representou duas vezes mais visitantes virtuais do que visitantes presenciais.

O ciclo de informação de uma instituição, auxiliado pelas tecnologias de informação, poderia ampliar o público, a disseminação da informação e a transferência da informação? Nesse sentido, o estudo dos canais de comunicação e mecanismos de transmissão entre fontes do conhecimento e seus usuários potenciais na sociedade é uma contribuição da Ciência da Informação para o desenvolvimento social, econômico e cultural. Por sua vez, a relevância das atividades de informação para o desenvolvimento da sociedade contemporânea reforça o papel dos profissionais da informação como mediadores da comunicação entre os usuários, que necessitam de informação para seu uso pessoal, profissional ou acadêmico, e as fontes que produzem, organizam e distribuem informação, ou dispõem de mecanismos de acesso a esse recurso.

No Museu Histórico Nacional, esse papel de mediador se realiza, concretamente, através do duplo papel da Assessoria de Comunicação-ASCOM pelos canais eletrônicos, que atua como serviço de informação e como centro referencial, criando novas oportunidades para transferência da informação para seus usuários na sociedade. Para apoiar sua ação na sociedade, os profissionais da informação necessitam conhecer os receptores da informação, seus usuários reais; no caso dos museus, seus visitantes reais (os que já se utilizam das fontes, por meio de serviços e produtos de informação) e potenciais (que podem vir a buscar informação nas fontes disponíveis). Os diferentes setores do MHN que tratam os acervos– Arquivo Histórico, Reserva Técnica, Biblioteca, Numismática – em muito ganhariam visibilidade se disponibilizassem dados sobre suas coleções no site, possibilitando a pesquisa em rede eletrônica por parte dos usuários/visitantes. Daí a necessidade da automação completa destes acervos e digitalização de suas imagens para que, um museu da importância e significado do MHN possa cumprir a sua missão adequadamente na contemporaneidade, utilizando os recursos eletrônicos de informação e comunicação a seu favor, ou seja, a favor da disponibilização das informações possíveis sobre seus acervos para um grande contingente de usuários virtuais, que tendem a crescer exponencialmente e a demandar serviços através destes mecanismos.

A disponibilização do site do Museu Histórico Nacional na Internet desde 1996 contribuiu para a ampliação de seu público. Mostrou-se evidente que o público virtual cresce vertiginosamente e podendo este se tornar um visitante presencial.

Usuários virtuais do MHN

Com base em entrevistas na Internet, o público virtual do MHN se caracteriza como iminentemente adulto, que em sua maioria estudou até a pós-graduação, e busca o site para informação especializada, para estudo e pesquisa. Os respondentes informaram ser 90% visitantes virtuais, o que decorre da ‘dispersão geográfica’, que favorece a utilização da rede. Em função desta dispersão, os visitantes virtuais que demandaram informações específicas e foram atendidos não necessariamente estariam motivados ou poderiam realizar uma visita in loco. Em sua maioria, são visitantes ocasionais do site e dos 24% que já visitaram presencialmente o Museu, muitos o fizeram nas exposições e alguns poucos aos outros setores. Observa-se que o visitante virtual parece perceber melhor a existência destes setores no site do que na visita in loco. Além disso, o percentual dos visitantes virtuais freqüentes, que retornam ao site (16%), poderia crescer.

Para tanto, algumas alterações poderiam ser feitas no site, para facilitar a busca do cidadão comum, como adicionar links para o Museu Nacional (freqüentemente confundido com o MHN), para os endereços que atendem às questões de genealogia/imigração, para o Museu do Índio, temas muito demandados pelos visitantes virtuais. A fim de criar um caminho de acesso para novos usuários do site do MHN, poderia ser criado um item do tipo de “Internet FAQs”-frequent answered questions, ou “questões freqüentemente perguntadas”. Aí se incluiriam os assuntos que não pertencem à esfera de assuntos pertinentes ao MHN e, se possível, com algum tipo de orientação sobre como efetuar buscas na Internet, adaptando modelos de information literacy, já que esta é uma dificuldade de muitos usuários. Atualmente, em vários países, existe uma área de estudos e de programas educacionais, chamada de information literacy, que trata especificamente das questões relacionadas à capacitação do indivíduo para a resolução de problemas de informação eletrônica, nos âmbitos escolar, profissional ou social.

Como recomendação, sugere-se a criação de uma loja virtual com o nome das publicações e produtos culturais existentes no MHN com seus respectivos preços. Dado o grande número de e-mails trocados com pedidos de compra de produtos do MHN, poderia haver um ponto de acesso no site informando o título e outros dados das obras, o que pouparia o tempo da equipe da ASCOM, com a troca de várias correspondências para uma efetuar uma única aquisição. Mas sabe-se que isto implicaria numa infra-estrutura de apoio, que, o MHN com seu número exíguo de funcionários para suas imensas tarefas, pode ter dificuldade de dispor.

O site do MHN poderia ainda ter outros endereços ou pontos de acesso adicionais para possibilitar um outro canal para o público infanto-juvenil, utilizando também jogo de perguntas (quiz) sobre História do Brasil para estudantes, a fim de estimular a interatividade e a curiosidade naturais a esta faixa etária. Estas medidas incrementariam a visitação tanto virtual como in loco ao MHN.

Além disso, são necessárias medidas facilitadoras da integração do visitante de exposições com os demais setores de informação do Museu. Embora estes setores sejam direcionados prioritariamente a pesquisadores, a função de divulgação e existência dos serviços deveria ser enfatizada nas exposições, relacionando os objetos exibidos, através de suas legendas e textos complementares, a outros itens de acervo bibliográfico, arquivístico ou numismático pertinentes, tal como num sistema de informação integrada e hipertextual.

Seria recomendável que os setores de acervos pudessem responder aos pedidos de informação diretamente de forma articulada com a ASCOM. Um treinamento interno sobre o atendimento aos usuários virtuais com os quatro setores de acervo, poderia agilizar muito este serviço, além de estimular os funcionários da instituição para a importância do uso dos recursos eletrônicos. Desde o início desta pesquisa ficamos cientes que o serviço de informação e resposta às mensagens eletrônicas do MHN começou articulado com os quatro setores de acervo. E tal como um sistema de informação, pode descentralizar as respostas.

O MHN, pioneiro no uso das tecnologias da comunicação em museus do Brasil, o primeiro a dispor de um site na Internet e com um importante serviço de atendimento às mensagens eletrônicas, poderia encaminhar ou liderar o processo de discussão/implantação de um portal de Museologia e de Museus no país. A exemplo do que acontece na Inglaterra/Reino Unido, os museus estão estabelecendo ações conjuntas para divulgar eletronicamente suas atividades, desenvolver enfaticamente atividades e interfaces educativas em seus sites voltados para crianças e jovens e implantar um portal de museus daquele país.

A proposta de portal de Museologia e de Museus desenvolvida na tese poderá ser objeto de um próximo artigo, na medida em que no Brasil ainda não existe um portal dedicado a este tema. Finalmente, se o site e o sistema de mensagens eletrônicas permitiram consolidar o MHN como sistema de informação e comunicação eletrônica, para aperfeiçoar e ampliar este trabalho é recomendável que, além das equipes de museólogos, comunicadores e profissionais de informática, o museu conte com o aporte de profissionais da Ciência da Informação, que contribuiriam com sua visão de disseminação de informação e para a articulação de um sistema integrado.

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Publicado originalmente na revista MUSAS - Revista Brasileira de Museus e Museologia, No. 2, 2006. Rio de Janeiro: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Departamento de Museus e Centros Culturais. p.127-139. ( ISSN 1807-6149).



Rosane Maria Rocha de Carvalho
Graduada em Museologia pelo Museu Histórico Nacional e em Comunicação Social pela Faculdade Hélio Alonso de Comunicação e Turismo. Mestre e doutora em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia-IBICT/Escola de Comunicação da UFRJ. É professora de Relações Públicas na Faculdade de Comunicação Social da UERJ e de Marketing Cultural na Universidade Estácio de Sá. Coordenou a Divisão de Pesquisa do Museu Histórico Nacional de 1998 a 2003, além de ter atuado em instituições como o Museu da República e a Fundação Nacional Pró-Memória.

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