Prática
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Marketing na cultura?

 (1999, segundo semestre)


Manoel Marcondes Machado Neto


“A cultura é para mim o modo singular de um povo exercer sua humanidade”. Darcy Ribeiro.

“Marketing é uma atividade humana dirigida a satisfazer necessidades e desejos através do processo de trocas”. Philip Kotler.

Algumas pessoas insistem em torcer o nariz quando ouvem o termo marketing cultural. Para os puristas da cultura, o que o olfato recusa é, não só o termo marketing, mas todo o sistema mercadológico, o que lembra consumo, embora, na maioria esmagadora das vezes, esses mesmos puristas sonhem com o seu próprio reconhecimento mais amplo, uma difusão de suas idéias sustentada pela indústria ou um espaço na mídia.

Noutras vezes os incomodados são os tais profissionais de marketing, da pesquisa de mercado, da propaganda. Neles o nariz torce ao som das questões delicadas que envolvem a cultura e a arte. Não que não tenham sensibilidade para essas questões, pelo contrário, recorrem a suas referências sempre, mas incomoda-os o espírito inaprisionável do artista, difícil de “enquadrar”. O artista tem algo de imprevisível que desestabiliza, assusta quando frente-a-frente com executivos engravatados. Curiosamente, no âmbito das atividades desses senhores, a moeda de valor está justamente nos departamentos de criação das agências – “jaulas” repletas de “feras” criativas, artísticas.

Também na academia, não há nada tão distante e de fronteiras tão fortemente demarcadas quanto os centros de produção artística e cultural em relação aos centros de administração e de marketing. No divórcio planejado das especialidades, a universidade engavetou em andares distintos ciência e arte, humanas e exatas, sociais e biomédicas, teoria e prática. Seria talvez perigoso aproximá-las – por risco de abalos no status quo. Foi preciso que Gilberto Gil fizesse “Quanta” para trazer a questão-âmago do século que termina, a teoria do caos, ao domingo no parque.

Oportuna a virada do milênio para tentar demolir mais esses muros e aproximar mais o Homem do próprio Homem, afinal, a mesma massa que faz música e mísseis, aquarelas e oleodutos – a medida de todas as coisas.

Nas asas da democracia e da sinceridade vamos voando para longe daqueles narizes (dis)torcidos – e também dos narizes-em-pé. Cansamos de donos da verdade.

Propomos uma trégua entre negócios e felicidade, entre managers e artistas, entre indústria e arte. Parece utópico, mas Calderón nos ensina que a vida é sonho. Artistas sonham com a autosustentação, quando se tornem empresários de si mesmos – um pouco como o próprio Gil administrador. Homens (e cada vez mais mulheres, graças a Deus) de negócios sonham em explorar sua própria sensibilidade e exprimir com mãos e palavras uma produção solitária, original, de comunicação, de arte. Antonio Ermírio já não rabisca seu segundo texto teatral?

O momento dessa aproximação entre talento artístico e competência mercadológica é agora. Que os personagens desse enredo saiam das coxias e ganhem a ribalta das realizações. Parafraseando Cacá Rosset, no início dos anos 1990: “a porta de entrada do Brasil no primeiro mundo é a porta da cultura”. Toc, toc, toc, pois.



Manoel Marcondes Machado Neto
Doutor em Ciências da Comunicação pela USP. Professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ. Autor do livro Marketing Cultural: das práticas à teoria (Ciência Moderna) e coordenador dos cursos "Gestão e Marketing na Cultura" (aperfeiçoamento em 180 horas) e "Marketing Cultural: Teoria e Prática" (atualização em 75 horas) no Centro de Produção da UERJ (CEPUERJ).

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