06.01.2011 - O Globo - Segundo Caderno - P. 2 - Catharina Wrede - John Neschling deixa a sua Cia. Brasileira de Ópera.

John Neschling anunciou na terça-feira, 4, que está deixando a Companhia Brasileira de Ópera, que fundou junto com o diretor executivo José Roberto Walker.

Com apenas um ano de existência, a companhia foi criada com o objetivo de percorrer o país com espetáculos itinerantes de alta qualidade e fácil locomoção. O maestro – que montou a companhia após deixar a Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp), em janeiro de 2009 – não quis dar declarações à imprensa, mas, em seu blog, contou os motivos da saída repentina e disse que durante a primeira temporada da empreitada, em que montou “O barbeiro de Sevilha”, de Rossini, pensou várias vezes em abandonar o barco.

“A experiência que tive durante o ano de 2010 com ‘O barbeiro de Sevilha’ e a Companhia Brasileira de Ópera foi rica, estimulante, e também difícil o suficiente para que eu, por diversas vezes, pensasse em me afastar do projeto. (...) Resolvi que chegou o momento de me dissociar radicalmente do prosseguimento deste trabalho. No ano de 2011, a Companhia Brasileira de Ópera, se continuar existindo, não terá mais nada a ver comigo, tanto do ponto de vista administrativo – que, aliás, nunca foi responsabilidade minha – quanto do ponto de vista artístico”, escreveu em seu blog.

O maestro disse ainda que o resultado da primeira temporada da companhia não foi o que ele havia sonhado no início. “Sem sede e lutando constantemente contra a paralisante e insensível burocracia estatal, conseguimos chegar ao fim da temporada com sucesso. Porém, (...) se a relação custo/benefício do projeto foi generosa e saudável, a relação esforço/resultado deixou muito a desejar. Não tenho dúvidas: da forma como ‘O barbeiro de Sevilha’ foi executado nessa primeira fase, a companhia não terá condições de sobreviver dentro dos parâmetros de qualidade e eficiência que me propus ao idealizar o projeto”, continuou Neschling.

Parceiro garante continuidade.

Entretanto, José Roberto Walker, que permanece no projeto, disse ao GLOBO que a companhia deve prosseguir:

– Devemos anunciar o programa de 2011 até o fim de fevereiro. Haverá também um novo regente – afirma, sem revelar quem será o substituto.

A respeito de um possível desentendimento entre ele e o maestro, Walker afirma:

- O relacionamento com Neschling sempre é difícil. Acho que houve uma diferença de propósitos: nós queríamos uma grande companhia que percorresse o Brasil; já o maestro Neschling sempre buscou um projeto de poder.

Em seu blog, maestro critica a falta de políticas públicas culturais.

Em seu blog, Neschling disse ainda que o plano inicial, feito em parceria com o até então ministro da Cultura, Juca Ferreira, era de que haveria uma estrutura estatal estável para assegurar o projeto, mas que com o novo governo não há indicação de que isso aconteça. “No nosso país inexiste, infelizmente, uma prática que se possa definir como política cultural, e muito menos uma continuidade dessa prática”, criticou.

O maestro escreveu que apesar de o país viver um momento de “bonança econômica”, a cultura fica esquecida. “Admiro a coragem de nos propormos a sediar a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas pergunto-me: por que um país com essas pretensões é incapaz de ter um teatro de ópera decente?”.

Neschling finalizou contando que está deixando o Brasil: “Parto para a Europa, pela primeira vez desde 1997, só com a passagem de ida.”.

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