28.04.2009 - O Globo - Opinião - P. 7 - João Sayad, secretário da Cultura do Estado de São Paulo - Reforma da Lei Rouanet

A luta pelo dinheiro do orçamento é dura. E legítima. Há campeões, vencedores e principiantes.

1) O Banco Central é campeão. Gasta em média R$ 150 bilhões por ano com juros, sem pedir autorização para ninguém; nem Congresso, nem orçamento, nem ninguém. É independente, soberano e absoluto. Hexacampeão.

2) Depois, temos as receitas vinculadas, como educação e saúde. A educação tem que gastar 25% das receitas de impostos. É bom dinheiro. Existe há cinquenta anos. O governo é obrigado a gastar ou sofre punições importantes, que podem chegar ao impeachment a nível municipal. É um vencedor; mas, às vezes, perde. Como perdeu com a desvinculação de recursos orçamentários desde 1994 até hoje.

3) Em terceiro lugar, os incentivos fiscais que isentam regiões ou produtos de impostos. O Brasil usa incentivos fiscais para as regiões mais pobres do país há mais de cinquenta anos. Gastamos R$ 100 bilhões com incentivos. Outro vencedor, politicamente forte, bem articulado.

4) Em quarto lugar, vêm as renúncias fiscais. O contribuinte deve 100 de impostos ao governo. A lei permite que o contribuinte, em vez de pagar, gaste diretamente parte do imposto devido em cultura. É bom também. Mas as renúncias fiscais podem ser dificultadas por exigências burocráticas da Receita Federal.

Em termos de privilégios orçamentários, isto é, garantia de que os recursos serão gastos, em anos de fartura ou de crise, a melhor situação é a do Banco Central. Depois, vêm as receitas vinculadas, como na educação. Em último lugar vem a renúncia fiscal.

A proposta de mudança da lei é ingênua e inoportuna

A cultura obteve recursos públicos através da renúncia fiscal há (sic) 25 anos. A Lei Rouanet tem só 14 anos. A atividade cultural conseguiu abrir esta brecha - R$ 1 bilhão - com uma condição, de que os gastos fossem decididos pelas empresas com a aprovação do Ministério da Cultura, que avalia preços dos projetos e se os projetos precisam de apoio. Se forem projetos comerciais ou com ingressos caros, a renúncia fiscal não pode ser utilizada. É uma pequena e recente vitória - igual a 1% dos incentivos fiscais em geral, a 1/300 avos do que se gasta com educação e 1/150 do que se gasta com juros. Conseguimos. Mas é pouco.

As empresas não deveriam ser as únicas com poder de decidir sobre gastos na cultura. O governo também deveria decidir. Assim como a Sociedade de Cultura Artística, a Osesp, os Amigos da Pinacoteca, sindicatos, ONGs e muitos outros.

A proposta de mudança da Lei Rouanet pretende aumentar a participação do governo nas decisões, para apoiar atividades artísticas que as empresas não apoiariam - cultura popular, grupos amadores, arte erudita, regiões pobres do país. É justo.

Mas pretende aumentar a sua participação às custas da renúncia fiscal que as empresas podem utilizar. Isto é, propõem aumentar seu poder de decisão sobre a cultura em detrimento dos recursos sobre os quais as empresas decidem. É ingênuo. E a proposta de reforma é apresentada neste ano de crise, quando o FMI, Banco Mundial e até os economistas propõem aumento de gastos. É inoportuna.

Ao ministro da Cultura cabe pedir mais dinheiro para cultura, ponto. Não em detrimento de outros recursos destinados à cultura. Ao ministro da Fazenda, cabe dizer não. Ao Congresso que aprova o orçamento, cabe decidir.

O ministro da Cultura deveria aspirar à presidência do Banco Central; ou ao Ministério da Educação. Se não conseguir, pedir mais recursos para consolidar a pequena vitória que a cultura conseguiu. Se o ministro da Cultura se preocupa com coisas da Fazenda, quem se preocupará com as coisas da Cultura?

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