16.02.2008 - O Globo - Rio - P. 32 - Leonardo Lichote - Cidade da música mostra seu melhor ângulo. Sem entrar na questão dos problemas orçamentários, músicos e arquitetos ressaltam aspectos positivos do projeto.

Sob a ótica fria das finanças, a Cidade da Música recebe suspeitas de ser, no mínimo, um mau negócio — o Ministério Público investiga os custos da obra que já chegaram a R$ 461,5 milhões, 476% a mais que os R$ 80 milhões orçados inicialmente, como mostrou O GLOBO. Sob o olhar artístico-urbanístico, porém, a paisagem é outra. O espaço é visto como uma ótima notícia por músicos, arquitetos e promotores de concertos, que, sem entrar na questão dos valores envolvidos ou da gestão do dinheiro público, saúdam sua importância para o cenário cultural carioca.

O arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti avalia o projeto do francês Christian de Portzamparc como inserido numa tradição de modernidade da arquitetura carioca.

— Há elementos que citam a arquitetura brasileira dos anos 40. Foi esse intercâmbio com profissionais de outros países, trazendo tecnologia de ponta e novas formas, que fez do Rio uma referência em arquitetura no passado — afirma. — E é bom que seja na Barra, pode mudar o caráter do bairro, que não é marcado pela cultura.

A localização na Barra da Tijuca também é vista como positiva pelo compositor Edino Krieger. O crescimento da região, ele acredita, torna o local ideal para a formação de novas platéias. A obra, ressalta, fomentará a criação de uma infraestrutura.

— Haverá medidas para a melhoria da região, apressando a instalação do metrô de superfície, por exemplo — defende. — Com uma boa programação, muita gente da Zona Sul e Norte irá para lá, como já fazem com as casas de show da área. Há quem vá para São Paulo para ver a Filarmônica de Berlim. Por que não ir até a Barra?

Ronaldo Miranda, ex-diretor da Sala Cecília Meireles, faz ressalvas quanto ao endereço — para ele, o público que freqüenta concertos no Rio é mais afeito ao Centro, onde já estão o Teatro Municipal e a Sala. Ele considera, porém, que o novo espaço ocupará uma lacuna.

— O Rio precisa de uma sala de concerto para orquestra sinfônica há tempos. O Municipal se adeqüa mais à ópera, enquanto à Sala Cecília Meireles ao formato de câmara — explica. — Mais importante que construir, no entanto, é manter. O Municipal passou por sua última reforma em 1978 e agora terá que fechar para obras porque está caindo. É uma vergonha.

Artur da Távola, diretor da Rádio Roquette Pinto, diz que preferiria um projeto menor, nos moldes da Sala São Paulo, sede da OSESP. Segundo ele, uma obra assim seria o suficiente para resolver o problema da falta de salas para ensaio de orquestras. Mas notou que projetos grandiosos como a Cidade da Música e a Cidade do Samba alçam o Rio a “um outro status”.

As possibilidades educacionais do espaço também foram citadas — sua estrutura inclui "midiateca" e dez salas de aula.

— Espero que ele seja usado para a inserção cultural de populações carentes — diz Steffen Dauelsberg, diretor-executivo da produtora Dell’Arte.

— Nos concertos que fazemos em São Paulo, artistas estrangeiros dão aulas. Com a Cidade da Música poderemos fazer isso no Rio — diz Sabine Lovatelli, presidente da produtora Mozarteum Brasileiro. Para Sabine, a Cidade da Música irá melhorar a qualidade da programação carioca:

— Programamos concertos com três anos de antecedência. Muitas vezes o Municipal não sabe informar três meses antes se estará disponível numa data. Temos que nos planejar, senão ficamos só com o que sobra.

As críticas que sugerem outro uso para o dinheiro investido no projeto — obras de hospitais e custos de despoluição de lagoas cariocas — foram relativizadas.

— O benefício de uma obra assim tem que ser calculado em décadas. Daqui a 100 anos se deve perguntar se valeu o investimento. Acredito que a resposta será sim — diz Edino Krieger.

— É importante que se invista em saúde e educação, mas se formos pensar assim não se faz nada em cultura — defende Ronaldo Miranda.

Cavalcanti lembra que esse tipo de crítica é recorrente em grandes obras:

— Dizia-se o mesmo sobre a construção do Teatro Municipal, a abertura da Avenida Presidente Vargas, a Reforma do Paço Imperial....

O vereador Roberto Monteiro (PCdoB) conseguiu as 17 assinaturas necessárias e deve protocolar terça-feira, na reabertura dos trabalhos na Câmara, o pedido de um CPI para investigar os custos da obra.

« voltar