15.02.2008 - O Globo - Segundo Caderno - P. 1 - Suzana Velasco - "HECHO EN BRASIL". País mostra na Arco, em Madri, o caráter multicultural da obra de 108 artistas.

A arte brasileira formou uma ilha rodeada de obras das mais diversas nacionalidades na 27ª. edição da Arco (Arco 2008), feira internacional de arte contemporânea que começou anteontem em Madri, este ano tendo o Brasil como país convidado. São 295 galerias, de 34 países, que pagam para ter seu estande de exposição — e venda — de obras de arte em dois pavilhões de um grande centro de eventos, o Ifema. Em meio a elas estão 32 galerias brasileiras, que levaram obras de 108 artistas para um espaço de mil metros quadrados.

Para essa seleção, o Ministério da Cultura do Brasil — que investiu R$ 2,6 milhões na Arco, para a organização de exposiçoes, mesas-redondas, ciclo de cinema — e a Fundação Athos Bulcão convidaram os curadores Paulo Sergio Duarte e Moacir dos Anjos. E os dois já começaram quebrando o padrão da feira, que é o de escolher galerias — que, por sua vez, costumam ter a liberdade de escolher os artistas que querem levar.

— Na primeira reunião, disse que, se fosse para escolher galerias, não precisariam de mim, de um curador — disse Duarte, após uma desorganizada apresentação da Arco 2008 para a imprensa, realizada um dia antes da abertura oficial, feita pelos reis da Espanha, Juan Carlos I e Sofia, com a presença do ministro da Cultura brasileiro, Gilberto Gil.

Espaço integrou as galerias.

Os curadores selecionaram os artistas e, a partir deles, foram convidadas as galerias que os representam. No caso de um artista como José Resende, por exemplo, que não poderia participar porque estava sem galeria, os curadores o vincularam à galeria Marilia Razuk, de São Paulo, que vai expor e eventualmente vender suas obras durante a feira. Ao lado de José Resende estão artistas veteranos, como Tunga, Waltercio Caldas, Anna Bella Geiger, Carlos Zilio, Abraham Palatnik, Carlos Vergara e Leonora de Barros, bem equilibrados com outros em ascensão, como Mariana Manhães, Carlos Contente, Rochelle Costi, Laura Erber e Felipe Barbosa.

As obras de cada um desses artistas foram escolhidas por eles próprios, em conjunto com seus galeristas e os dois curadores. Mas, como é uma feira comercial, a Arco exige que as peças sejam dispostas nos estandes específicos de cada galeria. Foi então que, mais uma vez, os curadores ousaram e chamaram a arquiteta Marta Bogea para pensar o espaço de um outro modo, que tivesse uma disposição mais atraente, de exposição integrada. Ela procurou criar espaços vazados entre as paredes que dividem cada galeria, expondo obras alheias.

— Queria que houvesse uma respiração entre as obras, evitar que o pavilhão brasileiro parecesse uma feirinha dentro da feira — explica Duarte, que apostou na variedade. — A Arco tem a maior reunião de artistas contemporâneos brasileiros já vista numa só cidade.

Alguns artistas brasileiros de grande repercussão internacional, como Vik Muniz, também estão representados por galerias estrangeiras. Entrando num dos pavilhões, por exemplo, vêem-se duas séries de fotografias: à direita, imagens de Miguel Rio Branco, levadas pela galeria americana Christopher Grimes, e, à esquerda, de Hélio Oiticica, da francesa Lelong.

Além das 32 galerias do espaço brasileiro, nove brasileiras pagaram seus próprios estandes na feira, com a liberdade de pôr à mostra o que quisessem. Mesmo galerias convidadas, como A Gentil Carioca, optaram por ter também um outro estande, pago.

— Fazemos um circuito de feiras há mais de três anos e nunca tínhamos vindo aqui. Queríamos mostrar mais artistas, que vêm sendo acompanhados pelos colecionadores — explicou o Márcio Botner, um dos sócios da galeria.

A direção da Arco também vem tentando tornar a feira mais atraente nos últimos anos, após um avanço de outras feiras européias, como a Art Basel, na Suíça. Neste ano, há novidades como o lançamento de uma revista, “Art&Co”; o Performing Arco, série de performances que inclui os artistas brasileiros Cabelo, hoje, e Franklin Cassaro, no domingo; e conferências de especialistas, que terão a participação do crítico de arte do GLOBO, Luiz Camillo Osorio, e dos curadores do pavilhão brasileiro na Arco, além de outros pesquisadores do Brasil.

— A arte brasileira fala por si só, estamos encantados — disse Lourdes Fernández, diretora da Arco. — Isso é muito bom porque, apesar da qualidade, é uma arte pouco conhecida do público, e a Arco é uma grande oportunidade de conhecê-la.

Comercial, mas sem valores.

Mas, apesar das novidades e de estar aberta ao público a partir de hoje, e até segunda-feira, a feira continua atraindo mais galeristas, colecionadores e imprensa: é cara (32 euros) e fica afastada do centro de Madri, mais ou menos como o Riocentro em relação ao Rio. Apesar de eminentemente comercial, a feira não divulga valores de venda de galerias. Lourdes apenas afirmou que, em 2007, houve um aumento de 15% em relação ao ano anterior, porém sem especificar o montante.

Para Paulo Sergio Duarte, a arte contemporânea brasileira vem chamando a atenção de outros países não por trazer um exotismo ou uma suposta identidade nacional, mas justamente por lidar tão bem com a multiculturalidade própria do mundo contemporâneo.

— A Europa está se descobrindo multicultural, e os Estados Unidos, também. Nós temos a vantagem de sermos multiculturais desde a nossa origem. Essa multiplicidade é muito contemporânea e nova para um europeu. O artista brasileiro, consciente ou inconscientemente, é filho dessa formação complexa, e isso dá uma potência à nossa arte. — A melhor arte brasileira une uma solicitação reflexiva com uma forte presença plástica e compete com o melhor que é feito no mundo. Se o mercado está interessado nessa qualidade poética com inteligência de linguagem, isso é outro problema — disse.

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