14.02.2008 - O Globo - Rio - P. 19 - Luiz Ernesto Magalhães e Paula Autran - Ministério Público investigará os custos da cidade da música. Vereadores também querem abrir CPI. Prefeitura pede pela concessão do espaço o equivalente a R$ 323,33 por mês.

O Ministério Público abre inquérito hoje para investigar os custos da construção da Cidade da Música Roberto Marinho, na Barra da Tijuca. Os promotores da Promotoria de Cidadania e Tutela Coletiva querem esclarecer como uma obra orçada pela prefeitura inicialmente em R$ 80 milhões já custa aos cofres públicos R$ 461,5 milhões (576% a mais) em construção, projetos e consultorias, como já mostrou O GLOBO. Por sua vez, a oposição ao prefeito Cesar Maia na Câmara dos Vereadores se articula para instaurar uma CPI para investigar os gastos com o complexo.

- Queremos esclarecer com a prefeitura e o Tribunal de Contas do Município (TCM) como foram calculados os custos inicial e final do projeto - explicou o promotor Rogério Pacheco Alves.

A Secretaria Municipal de Fazenda divulgou o edital de licitação com as regras para a concessão do espaço, marcada para 17 de março. A prefeitura fixou em apenas R$ 97 mil (0,02% do custo total da obra) o preço mínimo para transferir a Cidade da Música à iniciativa privada. O valor deve ser quitado numa única parcela, 25 meses após a concessionária tomar posse. Como fontes de receita a empresa terá, além das salas de concerto, três cinemas, lojas, café, restaurante e estacionamento com 738 vagas, cujas gestões podem ser terceirizadas. O valor mínimo equivale a R$ 323,33 por mês - quantia inferior ao preço mínimo cobrado pelo aluguel de uma "quitinete" na Barra (R$ 450,00).

O prefeito Cesar Maia diz que o valor fixado no edital tomou por base estudos de viabilidade econômica desenvolvidos por uma empresa de consultoria. O documento, porém, não foi divulgado. Cesar argumenta que os ganhos da prefeitura seriam indiretos, pois não terá que arcar com os custos de manutenção:

- O custo para a prefeitura seria de pelo menos R$ 12 milhões por ano. Não ter esse custo já é um pagamento de fato pela concessão - disse.

Os argumentos não convenceram o vereador Roberto Monteiro (PCdoB), que tenta reunir as 17 assinaturas necessárias para dar entrada amanhã com um pedido de CPI:

- A discussão sobre esses gastos tem que ser aprofundada. Não é possível enterrar R$ 460 milhões num projeto quando a cidade enfrenta sérios problemas com conservação e favelização.

Preços simbólicos também no Engenhão e no Riocentro.

Esta não é a primeira vez que a prefeitura promove licitações com preços simbólicos. Em 2005, o Riocentro, que precisava sofrer adaptações para o Pan, foi transferido à GL Events, por 50 anos, por R$1,2 milhão. Na época, o argumento era que a prefeitura saiu ganhando por não ter que gastar R$ 69 milhões no local. Já o Estádio Olímpico João Havelange (Engenhão), que custou quase R$ 400 milhões, foi transferido por 20 anos para a Companhia Botafogo (que administra os negócios do clube) por R$ 36 mil mensais. A prefeitura também argumentou que a idéia era se desonerar dos custos da manutenção do complexo.

Segundo o edital de licitação, o candidato a explorar a Cidade da Música deverá comprovar experiência de três anos na execução ou administração de equipamentos culturais. Ao contrário do que a prefeitura vem divulgando, a cessão de espaço para a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), embora bastante provável, não é garantida no edital. Por questões legais, a prefeitura não poderia indicar uma orquestra para ocupar o local. As candidatas devem indicar a orquestra-residente, que terá de cumprir exigências. Entre elas, ter no mínimo 70 músicos e ter se apresentado pelo menos 50 vezes nos últimos sete anos. Outra exigência é ter um maestro com experiência internacional. No Rio, se enquadram nesta situação a própria OSB e a Orquestra Petrobras.

Em nota, a OSB informa estar avaliando os termos da licitação para estudar se participa da concorrência. Já a Orquestra Petrobras informou não ter planos de disputar a concorrência. Outra que se enquadra nas exigências é a Fundação Orquestra Sinfônica de São Paulo, que não tem interesse no espaço.

Gasto mínimo com a cultura não é cumprido. Prefeitura só investe 0,33%. Rede de nove teatros do município enfrenta problemas.

Apesar dos gastos com a Cidade da Música, a prefeitura não vem aplicando os valores mínimos previstos em seu orçamento em ações para o incentivo à cultura do Rio. Em 2006, o Tribunal de Contas do Município (TCM) aprovou as contas do prefeito Cesar Maia com a ressalva de que ele só investiu 0,33% da arrecadação do ISS em cultura, quando o mínimo previsto deveria ser de 0,4%. Em receita, a diferença foi de mais de R$ 1 milhão. Já em 2007, segundo estudo do gabinete do vereador Eliomar Coelho (PSOL), foram gastos R$ 7,1 milhões, quando deveriam ter sido investidos no mínimo R$ 8,3 milhões.

A Lei 1.940/1992, que regulamenta os gastos com cultura, prevê a concessão de benefícios fiscais para pessoas jurídicas que investirem em atividades como música, dança, teatro, cinema, artes plásticas e preservação e restauração do acervo cultural da cidade.

Apesar disso, Cesar Maia nega descumprir a lei. Segundo ele, como emprega recursos do ISS para construir a Cidade da Música, as exigências legais seriam obedecidas.

Em meio à polêmica, equipamentos culturais como os nove teatros da rede do município, que completa 15 anos em 2008, enfrentam problemas. O Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá, por exemplo, está fechado desde maio de 2007, após um incêndio. Só em novembro passado, as obras foram licitadas. Na ocasião, o prazo para a execução da reforma era de quatro meses. Apesar disso, a página da Secretaria das Culturas na internet não foi atualizada e lá consta até o horário de funcionamento da casa. Em nota, a secretaria afirma que só recebeu em julho de 2007 o laudo do Corpo de Bombeiros, fundamental para licitar as reformas, previstas para durar até maio.

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