20.12.2006 - Revista EXAME - Livros - P. 120-121 - Angela Pimenta - Filantropo da porta para fora.

O magnata Andrew Carnegie foi um dos maiores mecenas da história - mas "esmagava" seus empregados.

Apesar de nunca ter crescido além de 1 metro e meio de altura e de estar morto há quase um século, ainda hoje o magnata Andrew Carnegie (1835-1919) é considerado um gigante na história do capitalismo americano. Carnegie encarna à perfeição o ideal do self-made man, seja na arte de acumular riquezas e prestígio, seja por ter doado em vida a maior parte de sua fortuna. Recém-lançada nos Estados Unidos, a biografia Andrew Carnegie, do historiador David Nasaw (sem previsão de lançamento no Brasil), é uma obra monumental -- com suas 878 páginas -- e definitiva. Para dar conta da empreitada, Nasaw, professor da City University of New York, contou com o apoio da família Carnegie para pesquisar documentos inéditos. A papelada incluiu até o acordo pré-nupcial de Carnegie e as cartas trocadas com presidentes, como Theodore Roosevelt, e primeiros-ministros britânicos.

O resultado é um retrato magistral, que ilumina tanto as grandezas quanto as misérias e frustrações daquele que, saído do nada, chegou a ser o homem mais rico do mundo. A obra expõe, por exemplo, uma de suas faces menos conhecidas. Um dos primeiros e mais relevantes filantropos de todos os tempos, Carnegie não demonstrava o menor remorso em "espremer seus funcionários". Ele cortou salários, aumentou a carga horária dos trabalhadores pa ra 84 horas semanais e se negava a contratar ex-sindicalistas. Esse estilo não lhe trazia muita popularidade entre os empregados, que, vez ou outra, arriscavam uma greve. Numa greve na fábrica de Homestead, alguns grevistas foram mortos a tiros.

Por outro lado, Carnegie acreditava que a distribuição da riqueza por meio da filantropia asseguraria a educação dos mais pobres, combatendo uma sociedade dinástica e possibilitando o florescimento de outros Carnegie, que infundiriam sangue novo ao sistema. Ele criou milhares de bibliotecas, museus, salas de concerto e um programa de bolsas de estudo para estudantes carentes -- uma atitude que viria a inspirar empresários como Bill Gates e Warren Buffett.

Nascido no interior da Escócia, filho de um pobre tecelão que emigrou para a América com a família, Carnegie subiu na vida como um rojão. Aos 12 anos, ao desembarcar em Pittsburgh, então o centro da indústria pesada americana, ele não passava de um aprendiz de tecelão. Sem tempo para estudar, cumpria uma jornada de 12 horas por dia ganhando 1 dólar por semana. Mas, ao completar 24 anos, Andra, como a mãe o chamava, já era superintendente da Divisão Ocidental Ferroviária da Pensilvânia. Àquela altura, ele era um novo-rico esforçando-se para aprender as boas maneiras, suavizar o sotaque escocês e usar botinas de salto alto e cartola para dar a impressão de ser mais alto.

Carnegie operava como um investidor voraz do mercado de capitais. Graças ao faro para novas oportunidades e às boas relações com políticos em Washington, fechou negociações milionárias. Se fosse hoje, ele certamente seria enquadrado nas leis do colarinho-branco por crimes como tráfico de influência, uso de informação privilegiada e formação de cartel. Mas na época nada disso era ilegal. De acordo com Nasaw, Carnegie demonstrou um gênio incomum ao tirar proveito da expansão econômica americana. Durante a Guerra Civil, a pedido do presidente Abraham Lincoln, as empresas de Carnegie forneceram trilhos e pontes para transportar as tropas ianques do nordeste americano para lutar contra os separatistas do sul. Após o conflito, o magnata passou a ditar preços para o aço, para os vagões de trens e até para os empreendimentos imobiliários criados pelas novas rotas ferroviárias nos Estados Unidos.

Enquanto enriquecia, Carnegie, um autodidata interessado em cultura e nas relações internacionais, distanciou-se dos negócios para cultivar a ambição de doar sua fortuna e também de educar os mais jovens na arte de enriquecer. Em 1887, antes de se casar com Louise Whitfield, fez com que ela assinasse um acordo pré-nupcial aceitando a doação da maior parte de seu espólio a propostas educacionais e de caridade. Em 1898, Carnegie publicou o manual O Evangelho da Riqueza, cuja mensagem era que a prosperidade "não resultava de um indivíduo sob as condições presentes, e sim do produto coletivo da comunidade". Carnegie sabia que seu triunfo não resultava apenas do talento individual, mas também do fato de estar no lugar certo e na hora certa, em pleno florescimento do capitalismo americano.

Em termos de riqueza e poder, Carnegie atingiu o ápice na virada do século. Em 1900, graças às tarifas impostas ao aço estrangeiro apoiadas por ele, a Carnegie Steel fabricava mais aço do que toda a indústria britânica. Um ano mais tarde, ao vender a empresa para o banqueiro J.P. Morgan por 260 milhões de dólares, Carnegie seria aclamado pelo amigo e também magnata John Rockefeller como "o homem mais rico do mundo". Dono de um patrimônio então estimado em 400 milhões de dólares, algo equivalente a dezenas de bilhões de dólares de hoje, ele passou a acelerar suas doações.

Ao final da vida, sua prioridade passou a ser a promoção da paz mundial. Em 1910, criou a Carnegie Endowment for International Peace, instituição não lucrativa ainda hoje em funcionamento voltada para o entendimento diplomático das nações. Apesar da saúde frágil, ele seria um dos maiores defensores da Liga das Nações, a primeira organização mundial nos moldes da ONU, mas incapaz de evitar a Primeira Guerra Mundial. Ao morrer, em 1919, em sua mansão em Massachusetts, Carnegie era um sujeito amargurado. Mas havia cumprido a missão mais árdua a que se havia proposto -- doar em vida mais de 350 milhões de dólares. Até hoje o capitalismo americano agradece.

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