10.08.2013 - marcondes@blog - Manoel Marcondes Neto - Fim da linha para a BRAVO!

BRAVO! foi uma das publicações que mais utilizei em minha pesquisa de doutoramento na USP, intitulada "Marketing Cultural: características, modalidades e seu uso como política de comunicação institucional". Seu fim, em agosto de 2013, é o ápice da incúria, da incompetência, enfim, da gestão criminosa que se perpetra contra a cultura, no Brasil, diuturnamente, mesmo sob a nova fase histórica que vivemos desde a Constituição Federal de 1988 - a qual, aliás, tem bons artigos sobre Comunicação e Cultura. Tão bons quanto ignorados...

Todos nós que fizemos parte da equipe da Bravo! lamentamos muito o fim da revista. E tenho certeza de que os leitores e amantes da cultura, também. Fica o testemunho da dificuldade de se manter um veículo exclusivamente voltado para cultura no nosso país--ainda. Mas a história da Bravo! vai ficar. Katia Canton (no Facebook).

Cultura não é mesmo a "praia" dos brasileiros.

Eu posso dizer isto, uma vez que meu "Economia da Cultura" (2011) foi solenemente ignorado por TODAS as autoridades - municipais, estaduais e federais - que o receberam da editora. E nem um dos 30 partidos brasileiros tem proposta séria para a Cultura.

O MinC é o mais "desimportante" ministério da Esplanada (como bem disse Aderbal Freire-filho) - nem um o quer. E a única "política cultural" que temos é a renúncia fiscal que põe nas mãos de bossais gerentes de marketing o que vamos ler, ouvir e ver.

Parafraseando Decio Pignatari: PODBRE BRASIL!

A íntegra da notícia:

A Abril Mídia divulgou hoje, oficialmente, o fim da revista BRAVO! em todas as plataformas. A publicação – uma das únicas no país dedicada exclusivamente às artes, onde trabalhei entre agosto de 2005 e julho de 2013, como editor-sênior e redator-chefe – nasceu em outubro de 1997. Estava, portanto, à beira de completar 16 anos.

Foi criada numa pequena editora de São Paulo, a D’Ávila, já extinta, e migrou para o grupo Abril em janeiro de 2004. Quando chegou à seara dos Civita, desfrutava de prestígio, mas padecia de má saúde financeira. Não sei dizer quanto dava de prejuízo à época. Só sei que, na Abril, o quadro não se alterou substancialmente, mesmo quando o título adotou uma linha editorial um pouco mais pop, um pouco menos “cabeça” que a de origem.

Com todos os defeitos que pudesse ter – e que realmente tinha, à semelhança de qualquer publicação –, BRAVO! não perdeu o respeito do meio cultural. Havia divergências de vários artistas e intelectuais em relação à revista. Os próprios jornalistas que passaram pela redação nem sempre concordavam 100% com a filosofia do título, ditada obviamente pelos donos. Uns o acusavam de conservador, outros de elitista, superficial ou condescendente demais. Mas havia também muita gente boa que gostava de nossas edições. O fato é que mesmo os opositores jamais recusaram sair nas páginas de BRAVO!.

Quem trabalhava para a publicação raramente ouvia um “não” quando fazia pedidos de entrevista. Até Chico Buarque, famoso por se expor pouquíssimo na mídia, topou protagonizar uma capa junto de Caetano Veloso (deixou-se fotografar, mas não abriu a boca, convém lembrar). Todos, de um modo geral, reconheciam que a publicação buscava primar pela seriedade.

Mesmo assim, em termos comerciais, BRAVO! nunca gerou lucro – pelo menos, não na Abril (como disse, desconheço os números da D’Ávila). A revista, embora contasse com o apoio da Lei Rouanet, operava no vermelho. Em bom português, dava prejuízo – ora de mihões, ora de milhares de reais. Por quê? Vejamos:

1) BRAVO! dispunha de poucos leitores? Sim e não. A revista contava com cerca de 20 mil assinantes e 8 mil compradores em bancas e supermercados. Vinte e oito mil pessoas, portanto, adquiriam a publicação mensalmente.

Se levarmos em conta os parâmetros do mercado publicitário, cada exemplar tinha, em média, quatro leitores. Ou seja: uma edição atingia algo como 112 mil pessoas. No Facebook, a publicação contava com 53.600 seguidores e, no Google +, com 30.900. Eram índices desprezíveis? Depende.

Em comparação com revistas de massa, a maioria editada pela própria Abril, os números de BRAVO! nem chegavam a fazer cócegas. Mas, considerando que o título se voltava para um nicho relativamente restrito, o da alta cultura mais sofisticada, as cifras não parecem tão ruins.

Em geral, BRAVO! falava sobre manifestações artísticas que, mesmo se destacando pela qualidade, não atraíam público quantitativamente significativo. A revista dedicava quatro, seis, oito páginas para filmes como "Tabu", do português Miguel Gomes, exposições como a retrospectiva de Waldemar Cordeiro no Itaú Cultural, livros como "O Erotismo", de Georges Bataille, peças como "A Dama do Mar", de Bob Wilson, e espetáculos de dança como "Claraboia", de Morena Nascimento.

Procure saber quantas pessoas viram tais filmes, mostras e espetáculos ou leram tais livros. Cinco mil, 10 mil, 20 mil? Como BRAVO! poderia ter zilhões de leitores se o universo que retratava não tem zilhões de consumidores? A publicação, por sua natureza, enfrentava o mesmo problema que amargam todos os artistas do país dispostos a correr na contramão dos blockbusters.

2) BRAVO! perdeu leitores em papel com o avanço das mídias digitais? Perdeu, seguindo uma tendência internacional. A perda, no entanto, não se revelou tão expressiva e ocorreu num ritmo menor que o de diversos títulos.

3) Era mais caro imprimir a BRAVO! do que outras revistas? Sim, bem mais caro, por causa de seu formato e de seu papel, ambos incomuns no mercado.

4) BRAVO! tinha poucos anúncios? Sim. Raramente, a publicação cumpria as metas da Abril nesse quesito. O motivo? Falhas internas à parte, os grandes anunciantes costumam demonstrar pouco interesse por títulos dedicados à “alta cultura”. “O leitor de revistas do gênero, sendo mais crítico, tende a frear os impulsos consumistas”, explicam os publicitários, nem sempre com essas palavras. Pela mesma razão, tantos cantores, artistas visuais, produtores de teatro e bailarinos encontram sérias dificuldades para captar patrocínio.

A soma de tais fatores tornava BRAVO! deficitária. Ao longo dos anos, tentaram-se diversas medidas para estancar o sangramento. O número de páginas da revista diminuiu de 114 para 98; as datas em que a publicação rodava na gráfica da Abril se alteraram algumas vezes com o intuito de reduzir os custos de impressão (é mais barato imprimir em certos dias do mês que em outros); a redação encolheu; os projetos gráfico e editorial sofreram ajustes; criaram-se ações de marketing pontuais na esperança de aumentar a receita publicitária. Cogitou-se, inclusive, mudar o papel e o formato de BRAVO!. O publisher Roberto Civita (1936-2013), porém, sempre vetou a alteração. Acreditava que fazê-la descaracterizaria em excesso a revista.

A Abril poderia ter insistido um pouco mais? Pecou por não descobrir jeitos inovadores de sustentar a publicação? É difícil responder – em especial, a segunda pergunta. A crise está instalada na imprensa de todo o mundo. Gregos e troianos dizem que a mídia tradicional precisa se reinventar. Eu também digo. Mas qual o caminho das pedras? Não sei. No máximo, posso arriscar uns palpites. E seguir investigando, e seguir apostando. O mesmo vale para os empresários da comunicação.

Gostaria que a edição de agosto não fosse a última de BRAVO!. Entristeço-me com o fim da publicação porque aprecio muitíssimo a arte. Filmes, livros, peças, músicas, instalações, pinturas, balés e quadrinhos me ensinaram mais sobre viver do que a própria vivência. No entanto, não bancarei o viúvo rancoroso. Não lamentarei a baixa escolaridade do brasileiro, o pragmatismo dos publicitários e dos patrões, o advento da revolução digital. Tampouco abdicarei de minhas responsabilidades frente aos erros e acertos da revista. Fiz e ainda faço parte do complexo jogo em que a mídia se insere. Procuro encará-lo com amor, senso crítico e serenidade. Nem sempre consigo, mas...

De resto, queria agradecer tanto à Abril quanto a todos os leitores e profissionais (artistas, editores, repórteres, críticos, ensaístas, designers, ilustradores, fotógrafos, assessores de imprensa, executivos, vendedores, secretárias, motoristas e motoboys) que tornaram possível tão longa e inesquecível jornada.


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Eu, Manoel Marcondes Neto, fui um dos 28 mil...

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