20.02.2009 - O Globo - Segundo Caderno - P. 6 - Arthur Dapieve - G. R. E. S. Frankfurt - Carnaval, calor e mulheres musculosas.

Esta é uma época do ano de grande excitação para os integrantes do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos de Frankfurt, a popular Escola de Frankfurt. Nosso carnavalesco, Waltinho Benjamin, já deu os últimos retoques no enredo ‘a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica’, a ser reprisado pelo 73o. carnaval consecutivo. Nosso diretor de bateria e de adereços, Theo Adorno, já repassou todos os movimentos da música. De Mahler, naturalmente. Está tudo pronto para os quatro dias de concentração.

A Escola de Frankfurt tem essa peculiaridade. Como certos blocos, ela se concentra, mas não sai. Ao contrário de todos os outros, porém, ela não sai nem de casa. Seus milhares de integrantes não se reúnem nunca. Neguinho da comunidade só aparece em jornal como exemplo de maluco que não pula carnaval, a não ser na folhinha. Portanto, como baluarte da velha guarda, já providenciei os livros, os discos e os DVDs que me farão companhia nos próximos quatro dias. Estou animadíssimo com o ‘O livro de areia’, do Borges.

Não me entenda mal. Nada tenho de especial contra o carnaval. Como você lê, faço até minhas rimas pobres. Para mim, ele está na mesma categoria do Natal, do Ano Novo, dos meus próprios aniversários. Não compreendo porque tenho de ficar alegre apenas porque o calendário me diz para ficar alegre. Quer o que mais, que eu salive? Algo diverso acontece com o futebol, fenômeno que meu amigo Paulo Roberto, grande folião, já não compreende. Numa partida, você nunca sabe se ficará alegre ou triste no apito final.

Essa incerteza me parece muito mais razoável. E capaz de gerar uma euforia muito mais embriagante. Desde que a gente saiba que também se arrisca a um profundo dissabor. Ganhar, perder. É do jogo. Como é do jogo empatar, algo que os estadunidenses, com seus esportes pragmáticos, nunca irão entender. Há toda uma dimensão metafísica num empate, sempre um equilíbrio de forças, nem sempre com a contrapartida da justiça. Igualdades podem ser injustas, heroicas, satisfatórias, depende do seu setor da arquibancada.

Não, não digressiono. É tudo carnaval. Talvez o que me tenha levado às alas da Escola de Frankfurt nem tenha a ver com essa minha incapacidade de agendar a alegria, e sim com o calor. Eu mal resisto a 35 graus. Talvez se a folia – assim como o Natal, o Ano Novo e, circunstancialmente, o meu aniversário – caísse no ‘inverno’ brasileiro, eu até achasse divertido engrossar o cordão da animação. Jogar os braços para cima e tomar cerveja morna vendo o mulherio passar, sei lá. Bem, no ‘frio’, ao menos a rua não cheiraria tanto a mijo. Carnaval de Veneza? Nem pensar. É ‘De olhos bem fechados’ sem as donas peladas.

Ah, as donas peladas... Elas já foram beeem melhores. Lembro-me de Luma de Oliveira aos 22 anos, no carnaval de 1987. Lembro-me de Luma de Oliveira, debruçada na janela de seu apartamento para ver se o Sol batia nas areias de Icaraí. Lembro-me de não escrever essas coisas, se não tomo beliscão. Aquela moça e tantas outras encantavam porque tinham corpos tão bonitos quanto possíveis e uma graça que não resistiria aos ferros da musculação. Eram mulheres para quem gostava de mulher, não de halterofilista. Hoje, as musas tem pernas comparáveis às do Roberto Carlos. O jogado de futebol, obviamente.

Por falar em jogador de futebol... Cultoras daquilo que outro amigo, o Tárik, chama de ‘estética travesti’, essas moças musculosas de hoje servem de atenuante para o célebre, caso do Ronaldo Fenômeno. Caramba, era tarde, a mulher dele estava grávida em casa, o cara tinha tomado umas e outras, achou que era sua madrugada de sorte... e tinha descolado três madrinhas de bateria para fazer um treino tático. Nem toda madrinha de verdade tem aquele físico de rolo, tai a Paola Oliveira, diáfana, mas ninguém pode culpar o Fenômeno.

Saca a Gracyanne Barbosa. Ela desfila na Mangueira. Sem piadinhas, por favor. Outro dia, a li dizendo que o seu corpanzil era ‘o padrão que o povo gosta’. Centenas de milhares de discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não lograram me conscientizar de que, não, se é por aí, eu não sou do povo mesmo. Mas será que gostar de mulher, mulher-mulher, não zagueiro-zagueiro, condena alguém à elite erótica? Lembrei-me da expressão ‘alegria de caminhoneiro’, que, por analogia com pratos fartos, não necessariamente de qualidade, outrora designava certo tipo de popozuda.

Veja-se o caso da penúltima fixação nacional, Andressa Soares, a Mulher Melancia. Você aí, que arrotou, coçou o saco e acabou de me chamar de ‘veado’, faz favor, vá lá dentro e pegue a ‘Playboy’ dela. Abra com jeito as páginas grudadas. Repare, então, que os músculos das coxas e os músculos das nádegas formam um contínuo, são duas únicas peças de carne. A rigor, por incrível que a ideia pareça a princípio, a Mulher Melancia não tem bunda, aquele troço bacana, sabe, o peso fazendo dobrinha embaixo. Ela é aleijada. Não foi à toa que o elogio calipígio foi encomendado pela revista a um médico, o Moacyr Scliar.

É por essas e por outras que os membros do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos de Frankfurt se trancam no banheiro com a ‘Magazine Littéraire’.

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