09.03.2011 - O Globo - Segundo Caderno - P. 1 - Suzana Velasco - Os novos colecionadores.

Ano após ano, aportam no mercado de arte contemporânea novas galerias, novas feiras, novos artistas. Produziu-se mais arte nos anos 2000 do que em décadas passadas? Ou mudou a concepção do que pode ser tratado – e, consequentemente, vendido e comprado – como arte? O fato é que há mais obras à venda, mais variedade de suportes e preços, e, no mercado brasileiro em expansão, colecionar está se tornando uma atividade menos extraordinária. Ainda se pode traçar a caricatura do colecionador milionário com um curador ao seu lado para lhe aconselhar. Mas, nos últimos anos, novos colecionadores vêm modificando a cara do mercado no Brasil, apostando em nomes sem garantia de valorização futura – mas nem por isso deixando de lado a pesquisa sobre os artistas. Eles são bem informados, mas, sobretudo, gostam de conviver com obras de arte.

– Arte é um bom investimento, mas não acho que se deva comprar porque vai valorizar. Eu não compraria por esse motivo – diz a economista Rosa Moreira, de 44 anos. – (O colecionador e galerista britânico) Charles Saatchi disse que você se torna um colecionador quando não tem mais lugar para pôr todas as suas obras. No ano retrasado, isso aconteceu.

Rosa comprou uma obra de Alexandre Dacosta dos anos 1980, colecionava cartazes de exposições no fim da década de 1990, mas só nos últimos anos começou de fato a reunir arte, o que a impulsionou inclusive a financiar mostras de dois artistas no Rio: Jaqueline Vojta e Gilvan Nunes. Agora, ela é uma freqüentadora mais assídua não apenas de exposições, mas também de feiras internacionais, onde tem comprado obras estrangeiras.

Hoje, praticamente todas as feiras de arte têm um espaço para galerias jovens, que costumam levar obras mais baratas, como múltiplos e fotos de grandes tiragens. No mês passado, a Arco, em Madri, lançou a seção Opening, com 20 galerias europeias de até cinco anos de existência. De forma geral, num reflexo da crise econômica na Europa, mesmo galerias sólidas apresentaram obras mais acessíveis – não só nos preços, mas também na estética, com a escassez de peças monumentais.

Se lá fora a oferta de obras mais baratas tenta administrar a crise, no Brasil o crescimento econômico é um dos responsáveis pelo maior acesso de gente comum a obras de arte. Organizadora da ArtRio, primeira feira de arte contemporânea que será realizada no Rio, em setembro, no Pier Mauá, Brenda Osório quer fazer do colecionismo o tema do evento, com debates voltados para a formação e a manutenção de coleções. A feira também terá um espaço para galerias iniciantes, muitas internacionais.

– Fiquei surpresa em ver que há muitas galerias novas de qualidade, com projetos bem pensados – diz Brenda.

Num leque tão amplo, nem sempre o leigo consegue avaliar o que comprar. No Brasil, as próprias galerias se tornaram um dos principais caminhos de pesquisa para os novos colecionadores, que, mesmo motivados por prazer, costumam pesquisar antes de suas aquisições. No Rio, a relação é reforçada porque as galerias com freqüência ocupam um vazio institucional, expondo artistas que não têm lugar em museus e centros culturais. Além disso, elas se sofisticaram na última década, em espaços amplos e de arquitetura arrojada, como Anita Schwartz, Silvia Cintra + Box 4, Largo das Artes e A Gentil Carioca, que usa a sua fachada lateral para projetos financiados por colecionadores.

– Uma boa galeria não é mais apenas um escritório de arte. Há uma preocupação com a formação do novo colecionador, porque negociar arte não é uma simples venda de um objeto. Por isso, os colecionadores tendem a estar junto às galerias – afirma Márcio Botner, artista e sócio d’A Gentil Carioca.

O publicitário Luiz Eduardo Marcondes Ferraz, de 31 anos, tem a ajuda do olhar treinado do irmão, o colecionador Mariano Marcondes Ferraz, mas também se apoia nos galeristas. A primeira obra que comprou, há cerca de cinco anos, foi de Daniel Azulay. O irmão torceu o nariz. Hoje, ele consulta o colecionador mais experiente, e já se preocupa com a liquidez das obras. Mas seu gosto sempre fala mais alto.

– Como a brincadeira é muito cara, garimpo novos artistas que acho que podem ficar mais renomados. As obras de arte são como ações, só que mais divertidas, porque posso pendurá-las na parede. Mas tento não pensar em quanto elas vão acabar valendo – diz o colecionador, que tem obras de artistas como Antonio Bokel e Pedro David, mas já investiu em nomes mais do que consagrados, como Amilcar de Castro e Miguel Rio Branco. – Meu irmão é entendedor, mas compra muita coisa que não acho bonita. Se eu não me apaixono não consigo comprar.

Entre a incerteza e a valorização meteórica.

Jaime Portas Vilaseca, que abriu a galeria que leva seu nome em 2009, conta que frequentemente recebe jovens que querem decorar a casa, tomam gosto e voltam, começando pequenas coleções. Mas, com uma galeria voltada para novíssimos artistas, nem o próprio galerista pode assegurar que as obras que representa são um investimento que dará lucros a seus compradores.

– No mercado de artistas mais jovens, é muito difícil eu falar para o cliente o que vai valorizar – reconhece Jaime.

Por outro lado, com a multiplicação de prêmios e intercâmbios internacionais, alta visibilidade na mídia e mais galerias para representá-los, muitos jovens artistas têm trajetórias meteóricas, sendo rapidamente valorizados pelo mercado – como Marcius Galan, que, no ano passado, foi finalista do Prêmio Pipa e participou da Bienal de São Paulo, e está na parede de Marcondes Ferraz; ou Henrique Oliveira, também premiado e presente na Bienal, e recente aquisição de Rosa. Ambos são representados pela Silvia Cintra + Box 4, união das galerias de mãe e filha consolidada há um ano, na Gávea: Silvia com nomes célebres, como Nelson Leirner e Daniel Senise; e Juliana Cintra, a filha, com novos nomes.

– Daqui a pouco os artistas da Box 4 estarão valendo mais que os meus – brinca Silvia. – Nos anos 1980, só vendia para quem era totalmente apaixonado por arte. Hoje há fila de espera para alguns artistas. A gente tem que brigar com São Paulo para não subir os preços. Porque se lá há mercado, aqui o valor não pode ser tão alto.

Se o mercado de arte carioca não é tão forte quanto o paulistano, a informalidade propicia encontros mais diretos entre artistas e compradores. Foi com a proximidade de Guga Ferraz, Arjan e Alexandre Vogler, entre outros, que Anselmo Maciel, museólogo da Academia Brasileira de Letras, de 53 anos, começou a formar sua coleção, participando inclusive do Projeto Acervo, criado pelo artista Leonardo Videla para incentivar novas coleções.

– A gente freqüentava o Arco-Íris, na Lapa, ficava bebendo e conversando sobre arte. Eu ajudei a promover o Atrocidades Maravilhosas (coletivo criado em 2000), a publicar o jornal “Ralador”. Mas não tenho dinheiro para ser um grande colecionador de arte. Minha última aquisição foi uma fotografia do Murilo Meirelles, no Paço das Artes. Eu não tinha R$1.500, mas eles aceitaram fazer em três vezes – conta, rindo.

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