16.01.2011 - O Globo - O Mundo - P. 34 - Fernanda Godoy - O novo rosto da caridade americana. Grupo de bilionários comprometidos com causas nobres redefine a filantropia usando foco empresarial.

A filantropia, uma instituição tão antiga e importante nos Estados Unidos como o próprio país, está se salvando da crise econômica com doações de bilionários e com a inovação trazida por uma nova geração ligada à tecnologia da informação. Quando Mark Zuckerberg tornou-se, no fim do ano passado, o 57º. empresário a integrar o “Giving Pledge” – o grupo de bilionários liderado por Bill Gates e Warren Buffett, que se compromete a doar metade de sua fortuna para causas nobres – a renovação ganhou uma cara.

No novo mundo da filantropia, a palavra doação é substituída por investimento; o talento para os negócios e as ferramentas tecnológicas são usados para maximizar os efeitos desse investimento. Bradford Smith, presidente do Foundation Center, que congrega 550 fundações e é a mais importante fonte de informações do setor, diz que a entrada de uma geração de empreendedores, e o uso cada vez mais disseminado de instrumentos de mapeamento, de aferição de impacto, e ferramentas interativas estão modificando o panorama da filantropia.

– Hoje há uma ênfase muito grande em avaliação de impacto, existem maneiras mais eficientes para estudar quem está dando dinheiro para quê e onde. E o exemplo de pessoas como Bill Gates e Warren Buffett é muito importante, eles usam seu carisma para motivar outros bilionários a doarem – diz Smith.

O bilionário Warren Buffett é um dos maiores doadores para causas filantrópicas e um dos idealizadores do "Giving Pledge"

Tal análise é corroborada por Doug White, diretor acadêmico do Heyman Center, instituição de estudos de filantropia da New York University (NYU).

– O mundo da filantropia está mudando rapidamente com a tecnologia, com a chegada de uma nova geração de pessoas jovens que querem ver resultados mais rapidamente, e com a influência dos grandes doadores.

George Lucas: o premiado diretor da saga de "Guerra nas Estrelas" é um dos rostos mais conhecidos entre os bilionários filantropos

O casal Bill e Melinda Gates já doou US$ 28 bilhões. No grupo inicial do “Giving Pledge” estavam também o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, e o cineasta George Lucas. No mundo das celebridades, a caridade está em alta. A apresentadora de TV Oprah Winfrey, que acaba de lançar seu canal de TV a cabo, OWN, distribuiu US$ 40 milhões em 2010.

A apresentadora Oprah Winfrey inaugura escola para meninas na África do Sul: US$ 40 milhões em doações ao longo de 2010

Nem todas as novas caras estarão no “Giving Pledge”, que tem a meta de convencer as 400 maiores fortunas dos Estados Unidos a assumirem esse compromisso moral, que resultaria em US$ 600 bilhões direcionados à filantropia. Muitas vezes, o que conta é a criatividade. Entre as iniciativas mais interessantes, destaca-se o Jumo, uma rede social para causas do bem (sociais, ambientais, de direitos humanos), lançada em novembro por Chris Hughes, de 26 anos, cofundador do Facebook. A plataforma, para a qual o usuário utiliza sua senha de acesso do Facebook, é um espaço online e conecta quem quer doar com um mundo de organizações não-governamentais. Hughes foi o diretor de comunicação para mídias sociais da campanha presidencial de Barack Obama, em 2008, fator estratégico na vitória do democrata.

– Fiquei pensando em como usar os talentos que eu tinha desenvolvido para mudanças sociais. Um modelo seria trabalhar numa organização; outro seria abrir uma firma de consultoria para ajudar o máximo de instituições, mas não faria sentido ajudar algumas centenas quando há milhões de ONGs pelo mundo afora que podem ser ajudadas. Jumo é uma plataforma que pode ajudar milhares ou até dezenas de milhares de instituições.

Mark Zuckerberg, do Facebook. Novas faces da filantropia nos EUA introduzem novos métodos de aferição de resultados

Assim como Zuckerberg e Hughes, toda uma geração da área de tecnologia da informação está mergulhando na filantropia e ressuscitando na Califórnia a tradição dos giving circles (círculos da doação), que tiveram uma explosão de crescimento nos últimos dez anos. São grupos com grande participação de jovens adultos que se reúnem não apenas para assinar cheques de doação, mas para buscar soluções inovadoras para problemas como educação e habitação e treinar uma nova geração de líderes comunitários. Nessa filantropia engajada, que se autodefine como hands-on (mão na massa), o importante é sentir que se está fazendo a diferença para a comunidade. Pesquisas mostram que o motivo número um citado pelos participantes é encontrar “um novo sentido para a vida”.

Uma injeção de ânimo e braços para o trabalho muito bem-vinda no terceiro setor – que, como toda a economia dos EUA, enfrenta a crise econômica deslanchada em 2008. Após a crise, as 75 mil fundações americanas registraram uma queda nas doações de 8,4% em 2009, recuando para o patamar de US$ 42,9 bilhões, que deveria ser mantido após o fechamento da contabilidade de 2010, segundo estimativa do Foundation Center, que prevê crescimento modesto em 2011. Somando-se todas as contribuições individuais e corporativas, os americanos doam cerca de US$ 300 bilhões por ano, número que também sofreu pequena queda nos últimos dois anos. Entre os fatores positivos que impediram uma queda ainda maior em 2010 está o crescimento das doações pela Fundação Bill & Melinda Gates.

– As fundações têm receio deste momento de crise, porque os governos começam a olhar para a filantropia como suplemento para os gastos que seriam do poder público. E nossos recursos são pequenos em comparação com os orçamentos públicos – diz Bradford Smith.

Na China, há um boom no setor desde 2004, quando foi aprovada lei que dá benefícios fiscais aos doadores. Estima-se que haja mais de 2 mil fundações no país hoje, e, com consultoria do Foundation Center, dos EUA, foi criado um centro similar na China. É uma situação que se repete na Índia e em outros países emergentes, onde os governos não dão conta das crescentes demandas sociais, e o desenvolvimento rápido cria bolsões de riqueza. Na Índia, a poderosa indústria da tecnologia da informação também tem sido grande contribuinte para a filantropia. A tradição de doar e fazer o bem está enraizada na história dos Estados Unidos, desde a colonização e o processo de independência, como explica Joan Spero, professora da Universidade de Columbia, especialista no assunto.

– Os americanos sempre recorreram mais ao setor privado, sempre foram descrentes do governo. A filantropia entra como peça nisso. Além disso, os americanos sempre foram um povo muito religioso, e grande parte desse impulso de ajudar veio daí. E o sistema tributário permite a dedução do que doamos às causas.

A preocupação com a transparência e com os padrões éticos precisa ser crescente, segundo Doug White, que coordena na NYU cursos e seminários que dão formação administrativa e ética a gestores de fundações e ONGs.

– O Terceiro Setor, que existe puramente com o propósito de ajudar as pessoas, tem que ter um padrão ético de gestão mais elevado que o das empresas e dos governos – diz White.

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