30/06/2000 - Valor Econômico - EU& fim de semana. Antônio Gonçalves Filho. Oficina enfrenta capital na arena. P. 7.

"O diretor José Celso Martinez Corrês, aos 63 anos, já acumulou 40 anos de convivência com a censura. Primeiro foi a política, durante o regime militar. Agora é a econômica. Dos últimos espetáculos produzidos no Teatro Oficina, que fundou no começo dos anos 60, nenhum teve patrocinador . . . como Blanche Dubois . . . sempre dependeram da bondade alheia – espectadores que compraram ingressos antecipados . . . permutas . . . e compra de espetáculos por entidades como o Sesc. A última, ‘Boca de Ouro’, de Nelson Rodrigues, foi feita por pura teimosia do diretor e atores. Como de costume, a companhia trabalhou por amor ao teatro. A bilheteria mal cobriu os custos de manutenção dos equipamentos do Oficina, tombado pelo Estado, que só responde pela segurança e limpeza do prédio".

"Sem mídia paga e prejuízos acumulados por falta de patrocínio, as peças do Oficina não agüentam muito tempo em cartaz . . . ‘por paradoxal que pareça, as peças montadas nos anos 60, em plena ditadura, recebiam patrocínio do Estado’, diz o diretor".

"Hoje o Ministério da Cultura tem uma lei entreguista, que concede ao capital corrupto uma chance de recapitalização, fortalecendo essa oligarquia cultural incestuosa, que só transa com o próprio capital", declara José Celso, denunciando a existência de uma ‘banda podre’ no patrocínio por incentivo fiscal. ‘Deveria ter uma investigação rigorosa porque existe uma máquina do showbizz que fabrica as próprias casas de espetáculos e ainda é beneficiada com a renúncia fiscal’. A lógica do marketing cultural, hoje, segundo o diretor, é promover espetáculos de curta temporada nos dois maiores centros, Rio e São Paulo, prejudicando regiões carentes".

"Acabaram todas as conquistas da categoria, como o Serviço Nacional do Teatro, que bancava pelo menos as passagens para os atores em turnê", conta, denunciando os prejuízos para a cultura brasileira com a política do marketing empresarial".

"Vivemos uma situação pior que a da ditadura, porque a classe emergente, que decide qual espetáculo patrocinar, promove um apartheid social ao bancar peças apenas com conhecidos atores de televisão e para um público restrito, nessas muralhas que o capital financeiro constrói para as suas atividades estéreis".

"Para o diretor, o Estado abdicou do poder deliberativo sobre a política cultural, ao adotar mecanismos que permitem à iniciativa privada decidir o destino do teatro e de outras artes".

"Agora mesmo o Oficina, tombado pelo Patrimônio, está ameaçado pela construção de um shopping ao lado e nos fundos do tetro, numa área pertencente ao Grupo Sílvio Santos".

"O projeto de Lina Bo Bardi era o de abrir o teatro para a rua, construindo uma ágora e deixando nos fundos uma área livre para o lazer da população, mas a nossa visão de cultura não coincide com a dos empresários", conclui, convidando Sílvio Santos para uma conversa que poderá não só determinar o uso da área como o destino de um dos bairros tradicionais de São Paulo e de um teatro que ajudou o Brasil a pensar diferente. O empresário não quer conversa e já anunciou a criação de um ‘centro cultural’ no Bexiga. José Celso promete não desistir. Não quer ver seu teatro cercado de lojas por todos os lados".

« voltar