20/07/1999 - Gazeta Mercantil - A prática do patrocínio cultural - Marta Porto

No ambiente empresarial brasileiro, cada vez mais encontramos difundida a prática do patrocínio cultural como uma das ferramentas de comunicação institucional utilizadas para valorizar e posicionar uma marca no mercado.

Cresceu nos últimos anos a compreensão de que em condições acirradas de concorrência, quando fatores como preço e diferencial tecnológico se equalizam, a marca - e os valores que ela difunde - não só se constituem no maior patrimônio de uma empresa, mas também na sua capacidade de diferenciar-se qualitativamente no mercado consumidor, definindo as opções de compra de produtos e serviços.

Trabalhar com o posicionamento desses valores de marca passa a ser uma operação complexa, envolvendo verbas expressivas para as iniciativas de comunicação, marketing institucional e corporativo, onde se incluem, ou deveriam se incluir, o planejamento em patrocínio cultural. Tal planejamento, que caminha na direção oposta à da escolha aleatória e sem critérios de projetos isolados para patrocínio, exige a aplicação dessa técnica de comunicação que é o marketing cultural para que o resultado do investimento promova o tão almejado retorno institucional.

Sem esta visão e o planejamento consistente que articule as ações de patrocínio cultural ao perfil institucional da empresa - que envolve suas aspirações como corporação e o tipo de relação que deseja manter com as comunidades onde atua -, o que se consegue são resultados desastrosos, com a pulverização de recursos e a distorção da imagem empresarial. Empresas que patrocinam tudo não dizem nada. Acabam por trabalhar contra todo o esforço empreendido em outras áreas para garantir o mínimo de harmonia e lógica ao mix de comunicação que promove a sua imagem junto ao público-alvo e aos formadores de opinião.

As leis de incentivos fiscais, ao dinamizarem os investimentos privados no setor cultural, também colaboraram para gerar um descompasso entre as ações de patrocínio e as iniciativas de comunicação institucional. O marketing cultural, erroneamente entendido como a pura e simples aplicação de tais leis por vários produtores e também por alguns coordenadores de políticas de patrocínios culturais, estimulou decisões tomadas mais por uma lógica tributária e por seduções ocasionais do show business.

De quebra, o uso sem critérios de recursos públicos que acabam por financiar a custo zero produções que se pagam com resultados de bilheterias, com ingressos caros e inacessíveis à grande maioria da população, agrava a confusão entre o que se deve e pode fazer ao utilizar instrumentos facilitadores, como os incentivos fiscais, e aquilo que de fato se pratica no mercado hoje. E que nem de longe se assemelha a marketing cultural, ou ao planejamento de políticas culturais privadas praticadas com consciência social e benefícios recíprocos entre empresa e sociedade.

Se olharmos esta questão do ponto de vista das políticas públicas, a confusão é maior ainda. Criou-se a ilusão de que é possível para o Estado formular e praticar uma política cultural responsável baseada na administração de recursos de incentivos, que chegam, em muitos casos, a 100% do total investido. O que se tem visto é outra coisa.

A população deixa de receber uma parcela destes recursos, em forma de investimentos diretos do Estado, para incrementar a produção e a distribuição dos bens culturais no país. Mas a ampliação da produção não representa uma melhor distribuição desses produtos. Aqueles que sempre tiveram negado o acesso ao mundo das artes, por falta de recursos, por deformação de educação e até por falta de estímulo, continuam à margem deste mundo, excluídos dos salões de arte, dos recitais em teatros públicos, dos livros e discos financiados em parte com dinheiro público. Esses são os dados apresentados por pesquisas como o 1º Diagnóstico da Área Cultural de Belo Horizonte, realizado em parceria pela Prefeitura desta cidade e o Instituto Vox Populi, que analisa os hábitos culturais dos cidadãos e prova a baixíssima irradiação dos produtos e serviços culturais nas cidades brasileiras.

O cidadão habituado a freqüentar eventos culturais multiplica seus hábitos quando a oferta aumenta, mas a massa de cidadãos (60%, 70%, 90% da população dependendo do tipo de programação artística pesquisada) que nunca foi a uma projeção de cinema, nacional ou não, só passa a ir se recebe um estímulo dirigido: a intervenção da escola na formação desse hábito, campanhas educativas de sensibilização ou programas estatais inteligentes que visem a equacionar o problema.

É tarefa do Estado, e dos órgãos de governo que o representam no campo cultural, formular políticas culturais que enfrentem responsavelmente este desafio.

E é evidente que as empresas não podem substituir o papel que cabe ao Estado no setor cultural - o financiamento a fundo perdido de atividades culturais sem atrativos para as políticas institucionais de empresas, a formação de platéia, a manutenção em condições adequadas dos equipamentos culturais sob sua guarda, a garantia de acesso a toda a população do conjunto dos bens e serviços culturais produzidos pelo país, ou seja, uma política destinada e preocupada com as pessoas comuns e não só com as necessidades e avaliações apresentadas pela classe artística -, mas isto não invalida que as iniciativas privadas neste setor se pautem por benefícios mútuos. É inteligente e todos ganham.

Ao se valer de recursos que, ao chegarem aos cofres públicos, serviriam para construir creches, escolas, hospitais, desenvolver políticas de renda e assistência as camadas menos favorecidas da população, é prudente escolher criteriosamente. É sempre bom lembrar que a cultura deve ser sempre vista como algo que só existe se compartilhado por todos, e não sempre pelos mesmos.

Este é um ponto fundamental. Construir uma imagem institucional sólida e perceptível aos olhos das pessoas comuns, dos consumidores, público interno e formadores de opinião exige tempo e cuidado. E exige cada vez mais um compromisso social com o país ou região onde se atua. Não existe, como muitos querem crer, uma discordância entre os benefícios que o marketing cultural traz para as iniciativas privadas e os benefícios sociais destas ações.

Pelo contrário, o que se espera são iniciativas cada vez mais afinadas entre os programas culturais formulados especialmente para cada empresa e seus desdobramentos sociais, expandindo gratuitamente, ou a preços acessíveis, o acesso a produtos e serviços culturais de qualidade crescente. O beneficiário é o cidadão, que ganha com o aumento na oferta de shows, exposições de arte, livros, revelação de novos talentos, mostras e festivais.

O trabalho que muitos institutos e fundações culturais privados tem feito no Brasil, através de políticas consistentes e de longo prazo, atende a interesses múltiplos, dos negócios, do público e até do Estado.

O marketing cultural moderno exige que se pense neste conjunto de fatores para que se alcancem resultados, associando a marca da empresa a valores socialmente positivos. Exige, portanto, um planejamento consistente, pesquisa, compreensão do negócio e dos fatores que determinam a comunicação institucional empresarial. Pede respeito ao cidadão e critérios justos na utilização de incentivos fiscais.

*Consultora, dirige a CULTURAL - Consultoria e Projetos

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