12/04/2004
- Revista ÉPOCA - Cátia Luz - Economia e Negócios
- O cinema sai da ficção.
A indústria
nacional multiplica receitas e estimula a criação de empresas
e cursos especializados.
“Uma câmara na mão e uma idéia na cabeça”
– a famosa frase-conceito do diretor Gláuber Rocha –
virou uma fórmula insuficiente para explicar os R$ 130 milhões
que o cinema brasileiro faturou no ano passado. Esse dinheiro todo revela
uma evolução impressionante ocorrida em pleno clima de recessão,
já que em 2002 a receita bruta dos filmes nacionais não
passou de R$ 40 milhões. Os números mostram que o cinema
por aqui já pode começar a ser chamado de indústria
promissora para empreendedores e profissionais de alta qualificação.
Investimentos pesados, turbinados pelas leis de incentivo fiscal, e equipamentos
de ponta sepultaram as produções esporádicas e quase
artesanais, fazendo nascer uma geração de boas bilheterias
e exposição internacional. O filme brasileiro livrou-se
do adjetivo “ruim” para se aproximar de outro: lucrativo.
Em 2003, de cada cinco ingressos vendidos, um foi para filmes nacionais,
contra um em cada 200 dez anos antes. A produção brasileira
vem batendo recordes. No ano passado, foram 32 longas. Para este ano,
a previsão é de 52 lançamentos, quase um por semana.
“O que era visto apenas como atividade artística de uma autor
virou assunto de empreendedor, com foco em público e retorno”,
afirma o produtor Roberto D’Avila.
A transformação do mercado levou os consultores Adriana
Dias, Georgia Rudge e Alexandre Ramagem a criar o primeiro curso de formação
para executivos de cinema, lançado no mês passado na Fundação
Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. Com média de
40 alunos por sala, o curso tem duração de oito meses e
abrange toda a cadeia cinematográfica. Na unidade carioca da fundação,
onde foi implantado há um ano, o curso já conta com cinco
turmas. “A indústria não pode depender exclusivamente
de profissionais que atuam só com base em suas experiências
pessoais”, diz Adriana.
Dona da Copacabana Filmes e diretora do filme Carlota Joaquina, um dos
marcos do renascimento do cinema nacional, Carla Camuratti diz que o número
de profissionais de todos os ramos do cinema está escasso. Para
iniciar as filmagens de seu novo longa em julho, O Mistério de
Irma Vap, Carla se viu às voltas com problemas de data. “A
agenda de diretores de fotografia, figurinistas e outros profissionais
está lotada”, conta.
Há cinco anos, já antecipando a explosão do mercado,
o economista Patrick Siaretta largou um emprego no mercado financeiro
dos Estados Unidos para abrir a TeleImage, empresa de pós-produção
e finalização de filmes. Hoje com um parque de equipamentos
que ultrapassa os US$ 20 milhões, além da liderança
no mercado nacional de pós-produção, a empresa está
entre as maiores do mundo. “Não temos nada a dever em qualidade.
Nem mesmo para o mercado americano”, afirma ele. O faturamento de
US$ 1,5 milhão por mês e contratos de distribuição
com multinacionais como Warner, Fox e Sony confirmaram a crença
de Siaretta de que cinema poderia ser um bom negócio. Na briga
pelo mesmo filão, o número de produtoras passou de 509 em
2002 para 649 no ano passado.
No circuito de exibição, o entusiasmo não é
diferente. “A preocupação de um filme emperrar a lucratividade
da sala por ser nacional não tem mais fundamento”, afirma
Valmir Fernandes, presidente da cadeia de cinemas Cinemark Brasil. A qualidade
das produções abriu caminho também no mercado externo.
Em 2003, os filmes brasileiros foram exibidos em 45 países e geraram
uma receita de US$ 1,8 milhão, contra US$ 600 mil no ano anterior.
Para 2004 espera-se um crescimento de 50%.
Falta muito, porém, para o cinema nacional ter peso significativo
na economia. No mercado americano, referência quando se fala no
assunto, a indústria de filmes movimenta US$ 350 bilhões
por ano e é uma das três maiores do país, ao lado
da de armamentos e da de computadores. “Com 1600 salas, sempre é
bom lembrar que simplesmente 92% das cidades brasileiras não têm
cinema”, afirma Michel Nicolau, diretor do Instituto Pensarte, especializado
na elaboração de políticas culturais.
MARCOS DA BILHETERIA NACIONAL (em milhões de espectadores,
excetuando filmes infantis e religiosos)
1994 - Carlota Joaquina |
1,3 |
1995 - O Quatrilho |
1,2 |
1998 - Central do Brasil |
1,5 |
2000 - O Auto da Compadecida |
2,1 |
2001 - A Partilha |
1,4 |
2002 - Cidade de Deus |
3,0 |
2003 - Carandiru |
4,7 |
2003 - Lisbela e o Prisioneiro |
3,1 |
2003 - Os Normais |
2,9 |
2003 - Deus é Brasileiro |
1,5 |
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