12/02/1999 - O Globo - Segundo Caderno - Cinema e governo propõem alternativas. Hugo Sukman e Vannildo Mendes

“O secretário para o Desenvolvimento Audiovisual do Ministério da Cultura, José Álvaro Moisés, quer que 1999 seja o ano do cinema brasileiro. A produtora Mariza Leão (de “Guerra de Canudos”) nova vice-presidente de relações institucionais do Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica, também. O Ministério tem uma estratégia para fazer o cinema nacional decolar no mercado externo, usando como carro-chefe o sucesso de “Central do Brasil”. Para contornar os efeitos da crise, Moisés anuncia a abertura de uma linha de financiamento de R$ 50 milhões, a juros subsidiados, para as áreas de produção, lançamento e exibição de filmes. Em nome da classe, Mariza Leão reivindica uma política pública global e diz que o governo e a classe se burocratizaram nos priomeiros quatro anos da gestão Weffort”.

O Globo - O cinema está numa situação paradoxal; por um lado uma produção grande em andamento e duas indicações para o Oscar; por outro, uma perspectiva de baixíssima produção. Como você avalia essa situação e o papel do Ministério da Cultura nisso ?

Mariza Leão - Estamos vivendo o livro do García Marquez, a crônica de uma morte anunciada. Desde o ano passado, especificamente, desde junho, um grupo de pessoas da área estávamos vendo que esse modelo exclusivo de apoiar a responsabilidade da produção cultural no incentivo fiscal, essa delegação hegemônica, ser transferido para os departamentos de marketing das empresas não ia se sustentar mais. Lembro de um debate na Associação Comercial, envolvendo mídia, investidores e produtores, em que quem mas foi ofensivo com essa questão foi a própria imprensa, que fez essa análise bem clara. Como transferir a responsabilidade da produção cultural para empresas que vendem gasolina, algodão ou refrigerantes ? Isso deveria ser complementar e não o único caminho. Nós do cinema temos esse erro histórico de sempre criar uma via única e, quando acaba a estrada caímos sempre no abismo. Quando começamos a discutir isso, chegamos à conclusão que era hora de o Estado retomar algumas funções que estava transferindo para a iniciativa privada.

O Globo - Quais as propostas ?

Mariza Leão - Precisamos de um operador, para usar uma palavra da moda. Alguém que interfira no mercado com o objetivo de nos retirar do casulo que impede o nosso crescimento. O Estado, neste sentido, tem que assumir sua função, que é exercida em prol do audiovisual em todos os países que querem ter uma produção audiovisual . . . ter uma política, como a Argentina tem. Desde os anos 80, em qualquer festival do mundo, você vê o Instituto Argentino de Cinema presente, seja em Teerã, em Biarritz ou em Cannes. O Brasil, mesmo antes do fim da Embrafilme, não teve isso. Temos que reorganizar o processo e não ficarmos simplesmente felizes porque um filme ou outro foi bem sucedido. Isso é motivo para ficar feliz, mas não configura política pública ampla para o setor.

O Globo - Como será a estratégia para atingir o mercado externo ?

José Álvaro Moisés - Usaremos “Central do Brasil” como carro-chefe de uma campanha mundial de divulgação do cinema brasileiro. Estamos recebendo convites e propostas para fazer mostras em todo o mundo. O momento é único para o país divulgar e tirar o máximo proveito do imenso potencial cinematográfico. Afinal, não é à toa que três filmes brasileiros estiveram na disputa do Oscar nos três últimos anos: “O Quatrilho”, “O que é isso companheiro ?” e “Central do Brasil”.

O Globo - A que atribui esse “boom” ?

José Álvaro Moisés - O público brasileiro quer ver na tela sua cultura. O Governo tem uma estratégia de atuar no mercado externo para vender nossa cultura. O Programa de Produtividade e Qualidade dos Serviços e Produtos quer elevar a afatia do cinema nacional de 5% para 20% do que é exibido nas telas, até o ano 2002. Em 1998, o cinema nacional vendeu 90 milhões de ingressos. A meta é chegar a 110 milhões, em 2002. A um preço médio de R$ 4,50 por ingresso, isso representa um retorno de R$ 100 milhões só em bilheteria. Cada milhão investido em cultura são 160 empregos diretos e indiretos. É possível, pois, gerar 16 mil empregos com o cinema.

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