04/06/00 - O Globo - Segundo Caderno - Pedro Butcher - Crise de distribuição atrasa estréia de filmes no país; Woody Allen já tem três na fila.

Woody Allen não falhou na década de 1990. Lançou um filme por ano, religiosamente. Até "Desconstruindo Harry", de 1997, o público brasileiro pôde acompanhar seus altos e baixos sem sobressaltos. Mas a a situação mudou. "Small time crooks", trigésimo longa-metragem do diretor, acaba de estrear nos Estados Unidos sem qualquer perspectiva de aportar no Brasil. E o pior: entra na fila atrás de "Celebrity", de 1998, e "Sweet and lowdown", do ano passado – que chegaram a ter suas estréias anunciadas mas até hoje, nada.

O que se passa com os filmes de Allen é um exemplo da crise de distribuição do cinema independente (feito à margem dos grandes estúdios) no país. Tudo começou com a década, quando os preços explodiram devido á feroz concorrência entre as distribuidoras de vídeo. Há cerca de quatro anos, a maioria delas faliu. Há outras vítimas. Aqinda não estrearam produções indicadas ao Oscar como "The straight story", de David Linch, premiadas como "Rosetta" (Palma de Ouro no Festival de Cannes do ano passado) e de griffe como "Ride with the devil", de Ang Lee, "eXistenz", de Daviod Cronenberg, "The limey", de Steve Soderbergh, e "The cradle will rock", de Tim Robbins.

O tipo de produção mais prejudicada por essa crise é a que tem preço de venda alto, representando um investimento arriscado em um mercado cada vez mais incerto. São filmes caros porque têm orçamento médio, envolvem nomes de peso e não saem pagos de seus países. Dependem, enfim, das vendas internacionais – caso das produções de Woody Allen.

A compra de "Celebrity", comédia em preto-e-branco estrelada por Kenneth Branagh e que tem como chamariz uma participação especial do astro Leonardo DiCaprio, foi anunciada pela distribuidora Top Tape pouco antes de sua pré-estréia no Festival de veneza de 1998. Mas, dois dias depois, o filme não passou nem em festivais no Brasil. Agora a distribuidora anuncia seu lançamento para julho, depois de várias promessas não cumpridas. Já "Sweet and lowdown", que rendeu a Sean Penn e Samantha Norton indicações ao Oscar, foi comprado por André Sturm, da Pandora Filmes. Tem até nome em português: "Poucas e boas".

  • Os negativos do filme ainda não chegaram no Brasil. Acho que a vendedora internacional está esperando que "Celebrity" entre em cartaz primeiro – acredita Sturm, prometendo uma estréia nacional para o mês de agosto. Enquanto isso, os admiradores de Woody Allen botam a boca no trombone.
  • Vou voltar para a análise. Não consigo viver sem o neurótico – brinca o roteirista Jorge Moura, autêntico fã em crise de abstinência.

Outro fã, o ator José Wilker, resolveu o problema com o DVD. Já importou, pela Internet, os DVDs de "Celebrity" e "Sweet and lowdown", lançados nos Estados Unidos.

Enfrentando algumas dificuldades na sua própria terra, onde já não desfruta do mesmo prestígio dos tempos de "Noivo neurótico, noiva nervosa" e "Manhattan", Allen acaba de lançar "Small time crooks", e com sorte. Angariou fartos elogios da crítica e uma bilheteria invejável, como o diretor não via há tempos. O filme está em sexto lugar na parada e arrecadou US$ 9 milhões.

Sucesso do vídeo inflacionou preço dos filmes. No começo da década, distribuidoras invadiram mercados e disputaram títulos, gastando pequenas fortunas.

Ironicamente, o sucesso caseiro do último Woody Allen pode significar novo atraso para o público do Brasil. Alguns compradores já sondaram o preço de "Small time crooks" e descobriram que está sendo pedido o triplo do valor habitual (que fica entre US$ 300 mil e US$ 400 mil para um filme de Woody Allen). Anuncia-se uma negociação dura. Bruno Wainer, da Lumière, que lançou "Poderosa Afrodite" e "Todos dizem eu te amo", confirma a tese dos preços.

  • Desde que Woody Allen deixou a Miramax os preços ficaram absurdos. Mesmo que fizessem o público de "Poderosa Afrodite" (mais de 200 mil espectadores, o que é excelente), os filmes não conseguiriam se pagar na bilheteria.

Mas os preços altos para o Brasil não representam exceção. O país tem fama de ser um ótimo mercado, em parte por causa da atuação irresponsável de algumas distribuidoras no começo da década. Durante a expansão do vídeo, distribuidoras de cassetes se lançaram no cinema despejando pequenas fortunas no mercado. Filmes como "Austin Powers", com Mike Myers, "Donnie Brasco", com Al Pacino, e "Lolita", de Adrian Lyne, tiveram o "mínimo garantido" (jargão para o preço de venda" estabelecido em mais de US$ 1 milhão – valor jamais recuperado. Em seguida, veio a TV a cabo, a crise do vídeo, e a falência de algumas distribuidoras aventureiras. Mas os preços continuaram nas alturas, e só agora começam a baixar.

  • Essa confusão é o que pagamos pela mentira e a falta de informação – afirma o cineasta Paulo Sérgio Almeida, editor do boletim semanal "Filme B", que procura dar conta dos números do cinema no Brasil.
  • As distribuidoras não têm como pagar os preços pedidos mas também não informam os resultados dos filmes, contribuindo para criar uma visão distorcida do mercado.

 

"Majors" não querem lançar Spike Lee no Brasil

Outro problema sério é quando produções menores caem nas mãos das majors (grandes distribuidoras multinacionais como a UIP, Columbia, Buena Vista ou Fox/Warner), em geral mais ocupadas com blockbusters como "Gladiador" ou "Titanic". Spike Lee, por exemplo, quase sempre produz com o suporte de grandes estúdios, que invariavelmente sempre se "esquecem" de exibí-lo por aqui. "He got game", com Denzel Washington, lançado nos EUA pela Buena Vista (da Disney) com excelentes resultados, não consta da lista da distribuidora no Brasil. Mas também não está à venda em lugar algum. "Crooklin", da Universal, chegou apenas em vídeo, assim como "Todos a bordo" da Fox.

  • Às vezes é impossível descobrir com quem está o filme – diz Ilda Santiago, do grupo Estação, que tentou, em vão, trazer "He got game" para o Festival do Rio, em setembro do ano passado.

Há, porém, quem veja nesta crise um problema mais grave: a progressiva diminuição do público disposto a fugir das fórmulas dos blockbusters.

  • Hoje em dia Woody Allen é um marginal. Estamos perdendo cultura cinematográfica e assistindo à vitória do filme-supermercado – desabafa Leon Cakoff, diretor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e lançador de filmes pequenos como o japonês "Verão feliz", de Takeshi Kitano, atualmente em cartaz.

Não é surpresa que, nesse contexto, filmes jap