Teoria
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Marketing Cultural, esse desconhecido

 (2002, primeiro semestre)


Manoel Marcondes Machado Neto


Relato de Pesquisa

Enquanto não sabemos como será viabilizada a vinda do Guggenheim para o Brasil ou se a recém-criada Agência Nacional do Cinema (Ancine) vai, efetivamente, desatar os recorrentes nós da produção cinematográfica brasileira - divulgação e distribuição - parece-me oportuno compartilhar alguns resultados de minha pesquisa, produzida para tese de doutoramento, defendida junto à Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), sob orientação da Profa. Dra. Margarida Kunsch. Vejamos alguns resultados da pesquisa.

CLASSIFICAÇÃO - A pesquisa possibilitou uma classificação do marketing cultural em quatro modalidades:

- Marketing cultural de fim: dá-se quando o patrocínio é exercido por organizações cuja atividade-fim é a produção/difusão da cultura, a partir de recursos próprios ou de terceiros.

- Marketing cultural de meio: de fato, uma estratégia de comunicação institucional de empresas cuja atividade-fim não é a produção/difusão da cultura (um banco, uma indústria, por exemplo), feita com recursos próprios ou decorrentes de renúncia fiscal.

- Marketing cultural misto: a atividade que reúne elementos das duas modalidades anteriores. Ou seja, é uma prática que alia empresas cuja atividade-fim não é a produção/difusão da cultura a organizações com tais atividades-fim.

- Marketing cultural de agente: caracteriza a atividade auto-sustentável exercida por empreendedores artístico-culturais - independentes em relação à fonte de financiamento -, feita a partir de recursos próprios ou de terceiros.

Ao longo do tempo em que a pesquisa se desenrolou, algumas constatações saltaram aos olhos: o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) talvez seja o melhor exemplo de marketing cultural de fim. Já a Petrobras é um excelente exemplo de marketing cultural de meio. A estatal estabeleceu algumas áreas de atuação e elaborou - em conjunto com a Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA/USP) - uma planilha para avaliação da pertinência/viabilidade de projetos culturais para a área. Hoje, a Petrobras figura como uma das mais conseqüentes empresas patrocinadoras da cultura no cenário brasileiro.

O Centro Cultural Banco do Brasil é o melhor exemplo de marketing cultural misto. Em pesquisa de opinião realizada no âmbito da tese, 88% dos entrevistados recordam-se da marca "Banco do Brasil" como patrocinador, embora a grande maioria das produções que ocorre em suas dependências seja viabilizada com recursos de outras empresas patrocinadoras.

A produtora cultural carioca Dell'Arte é um ótimo exemplo de marketing cultural de agente, marcando sua presença no setor de risco, no qual a concepção artística caminha à frente das decisões mercadológicas de seus clientes.

ESTUDOS DE CASOS - A pesquisa de doutorado abrangeu um estudo de caso específico sobre a Companhia Cacique de Café Solúvel, da cidade de Londrina, no Paraná. A empresa apóia localmente a cultura há mais de 30 anos, independentemente de incentivos fiscais. Essa fase incluiu duas pesquisas de opinião, produzidas em dois anos consecutivos, num total de 600 entrevistas. Os resultados obtidos entre os formadores de opinião de Londrina (políticos, administradores, estudantes, professores, artistas e imprensa) demonstram que a Cia. Cacique obteve o reconhecimento da municipalidade - objetivo declarado de sua estratégia de marketing cultural - sem que essa ação estivesse diretamente ligada à meta de vendas, já que 97% da produção da empresa é voltada para a exportação.

Com esse estudo de caso foi possível identificar a efetividade da adoção de uma política de apoio à cultura em oposição a ações isoladas de patrocínio. Os resultados corroboraram a conclusão de que o estabelecimento de políticas empresariais de apoio à cultura que se traduzam pela destinação de parte de seu orçamento de marketing, independentemente de incentivos fiscais, é o que constituiria uma genuína prática de marketing cultural.

Foram estudadas também as atividades de marketing cultural de mais duas empresas: a Andersen Consulting (São Paulo) e a Petrobras (Rio de Janeiro). A primeira - que iniciou sua atividade de marketing cultural em 1997, com a edição do livro O Rio do Bota Abaixo - realizou uma pesquisa entre os seus sócios-diretores com o objetivo de avaliar quais eram as áreas da produção cultural mais identificadas com a empresa, seus objetivos de comunicação e seus públicos. Com isso, a Andersen Consulting minimizou o risco de ter uma avaliação eminentemente subjetiva em sua atividade de marketing cultural - baseada nas escolhas pessoais do executivo de plantão.

A pesquisa identificou a preferência da empresa por atividades que aliassem tecnologia (ligando a ação cultural à área em que a companhia atua), música e eventos que pudessem ser presenciados por clientes e funcionários. A pesquisa apontou também para a manutenção da edição de livros, o que propiciava - e esse é o grande aspecto de "venda" dos projetos editoriais - brindes de valor palpável.

A Andersen Consulting perseguiu todos esses objetivos de maneira integrada patrocinando, em 1998, um CD-ROM com músicas e depoimentos sobre textos de Manuel Bandeira; em 1999, a turnê do Ballet Bolshoi; e em 2000, a edição do livro História do Automobilismo Brasileiro.

A Petrobras, que dispensa apresentação, criou uma verdadeira consciência interna sobre patrocínios. Os procedimentos e as análises chegam a um nível de exigência científico, bastante longe das práticas político-clientelistas de um passado já remoto. Tal foi o valor que a Petrobras construiu em torno de seus patrocínios que o conjunto de ações ganhou marca e slogan próprios: "Patrocínios Petrobras, mas pode chamar de compromisso", além de uma plataforma forte, que emoldura suas inserções de mídia eletrônica: "Se a Petrobras não fosse uma empresa, seria o conjunto de todas as ações que ela patrocina".

Outras empresas e instituições foram pesquisadas para corroborar a classificação do marketing cultural em diferentes modalidades: MAM (SP), Museu da Casa de Rui Barbosa (RJ), Museu da República (RJ), Instituto Cultural Villa Maurina (RJ), Marketing das Artes e Sagres DTVM (ambas em São Paulo), Dell'Arte e República Produções (ambas no Rio de Janeiro).

NA ESCOLA - A tese de doutorado também investigou estudantes de marketing cultural. Uma pesquisa - feita com mais 200 alunos do curso de extensão universitária Marketing Cultural: Teoria & Prática, realizado há seis anos na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - mostrou que, como demonstra o gráfico 1, 50% dos estudantes já atuam profissionalmente. O gráfico 2 evidencia que essa parcela busca aperfeiçoamento. No gráfico 3*, há a constatação de que a atuação do poder público deixa a desejar: 72% julgam esta atuação fraca, desinteressada ou desorganizada. O gráfico 4* não deixa de surpreender, pois 55% consideram também a atuação da iniciativa privada na cultura como fraca, fruto do desconhecimento do potencial da área e que somente empresas grandes o praticam.

As turmas do curso de extensão realizadas até o ano 2000 (cinco no Rio de Janeiro e uma em São Paulo) geraram uma massa crítica que aponta para a oportunidade de criação de uma especialização em marketing cultural. O projeto já está em vias de estudo de viabilização e formará o gestor de políticas de marketing cultural, com capacitação para atuar na interface entre cultura e negócios.

A MOTIVAÇÃO - O chamado marketing cultural carecia de um tratamento acadêmico, e a empreitada da tese de doutorado, iniciada em 1996, buscou, por três vias, entender o fenômeno genuinamente brasileiro (o termo marketing cultural não tem sentido fora do Brasil) e, ainda, propor uma primeira classificação para o fenômeno; afinal, muitas atividades diferentes têm sido rotuladas como "de marketing cultural". As três vias que balizaram o trabalho foram:

- Rever a literatura de marketing e de produção cultural para entender se um conceito e uma tipologia de marketing cultural fariam sentido;

- Provar que a adoção do marketing cultural é uma estratégia efetiva de comunicação institucional e;

- Diagnosticar o recall (gráfico 5*) dos patrocinadores, ou seja, a retenção das ações de apoio cultural na memória do público e o levantamento de uma amostra de "consumo" cultural.

O gráfico 6* mostra que o brasileiro de classe AB da região Sudeste assiste a um filme brasileiro para cada 6 estrangeiros, anualmente. Os dados dos gráficos 5 e 6 foram obtidos a partir de perguntas individuais para teatro, dança, artes plásticas e música: Quantas vezes você foi a uma manifestação artística nos últimos 12 meses? Recorda- se do patrocinador?; Quantas vezes você freqüentou um centro cultural nos últimos doze meses? Qual? e Quantas vezes você foi ao cinema nos últimos 12 meses e em quantas para assistir a filmes brasileiros?

Durante o desenvolvimento da pesquisa, sedimentou-se a convicção da necessidade de profissionalização do segmento que trata das questões que envolvem marketing e cultura. Há muito espaço a ser ocupado, tanto em empresas potenciais patrocinadoras como em agências de propaganda. Algumas conclusões paralelas que o levantamento permitiu indicam questões pendentes e objetos para a pesquisa acadêmica:

- Há, no discurso de senso comum e até no de algumas autoridades, uma confusão entre os conceitos de produção cultural demandadora de incentivos e o de show business, auto-sustentável e lucrativo;

- A área pública encontra-se ainda bastante despreparada para o exercício do marketing cultural de fim. Servidor público e marketing parecem entes inconciliáveis. Não o são e há exceções que demonstram a possibilidade de se superar essa visão.

- Há um expressivo mercado de trabalho potencial para esse segmento que trata das questões que aproximam a cultura e o marketing, tanto no que toca a management de artistas e produtores culturais como a administração de espaços culturais;

- Carecemos, no Brasil, de políticas culturais que vão para além da concessão de incentivos fiscais;

- Falta descobrir o segredo do patrocínio cultural via pessoa física;

- É preciso encorajar o empreendedorismo na área. Os patrocínios vertem, na sua esmagadora maioria, para quem já ultrapassou a barreira da viabilidade econômica;

- É necessário se descentralizar o foco das ações de patrocínio. O eixo Rio-São Paulo-Brasília consome quase todos os recursos federais.

CIENTÍFICO - A tese também permitiu chegar a um conceito científico e acadêmico sobre o que é marketing cultural. Ei-lo: marketing cultural é a atividade deliberada de viabilização físico-financeira de produtos e serviços que, comercializados ou franqueados, venham atender às demandas de fruição e enriquecimento cultural da sociedade.

A pesquisa incluiu um levantamento do que de mais importante foi publicado na grande imprensa escrita entre 1990 e 2000 sobre marketing cultural e temas afins. Era preciso conhecer as inúmeras formas com que o mercado batizava como sendo marketing cultural. Esse clipping encontra-se acessível dentro do site www.marketing-e-cultura.com.br na internet.

Levando-se em conta o previsível fim das leis de incentivo à cultura, a notória desimportância da cultura nos orçamentos públicos e na política partidária, e, ainda, a tímida participação da cultura no PIB brasileiro (menos de 1% de acordo com a pesquisa encomendada pelo MinC à Fundação João Pinheiro), a pesquisa permitiu concluir que é necessário mais profissionalização na área da produção cultural, nos setores público e privado, com a formação de perfis para atuação em um campo de atividade em que, certamente, o Brasil é - há muito tempo - primeiro mundo.

* Para ver os gráficos mencionados vá para a Seção 'Repercussão' deste site, onde a íntegra do artigo, publicado pela Revista MARKETING CULTURAL, encontra-se reproduzida.



Manoel Marcondes Machado Neto

Professor e pesquisador da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Criador da Coordenação de Pesquisa e Documentação em Comunicação e Mercadologia Prof. Manoel Maria de Vasconcellos (DRP/FCS/UERJ). Coordenador do Curso de Extensão Universitária "Marketing Cultural: Teoria e Prática" do CEPUERJ.

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