Prática
Voltar ao índice
 
 
O público invade os museus: - é uma febre que se propaga?

 (1999, segundo semestre)


Rosane Maria Rocha de Carvalho


"Os centros culturais e museus cariocas estão recebendo um público enorme que cada vez mais freqüenta as suas exposições, as atividades culturais como teatro, cinema e vídeo e utiliza os serviços de restaurante, livraria, casa de chá" (Almeida: 1996).

A preocupação destes centros culturais é saber quem é este indivíduo que se desloca de sua casa ou direto do trabalho para visitar instituições como o Centro Cultural Banco do Brasil, o Museu Nacional de Belas Artes e o Museu da República.

O que tem estas instituições em comum?

Programação variada e que prima pela qualidade. Exposições bem projetadas e de grande apelo ao grande público. Exemplo disso foi a exposição com as esculturas de Rodin em 1995 no MNBA que, em 2 meses, atraiu mais de 150 mil pessoas. Um recorde.

Outra exposição que conseguiu o feito de atrair o maior número de visitantes ao Museu da República foi "Getúlio Vargas e seu tempo", na qual foram utilizados telões com multivisão. Nas salas ouvia-se marchinhas e programas radiofônicos da época. Outros recursos de ambientação com acentuada iluminação teatral tornavam os objetos e documentos atraentes. O público da exposição se sentiu revivendo os anos 50 ? Claro que sim.

Numa outra perspectiva, o CCBB oferece 12 horas ininterruptas de programação em diversas áreas para o público. Além disso estes centros culturais oferecem áreas de conforto e de lazer (restaurantes, lanchonetes ou cafeterias, brinquedoteca, jardins) dentro do seu espaço, o que faz com que o visitante possa permanecer lá por mais tempo e de forma extremamente agradável (CCBB: 1995).

E aí sentimos uma mudança radical da parte dos museus. Não eram eles chatos e cansativos de se visitar, com exposições pouco atraentes, onde as etiquetas eram pequenas e indecifráveis com dizeres obscutos do tipo OST (que significa que a técnica empregada numa pintura é a de óleo sobre tela)?. Não eram eles percebidos pelo grande público como sinônimo de "velharia"? O que aconteceu?

Os museus mudaram, ampliaram as opções culturais e de entretenimento para atrair um público sedento de informação e lazer ao mesmo tempo. Assim abriram salas de cinema e teatro, restaurantes, livrarias, lojas de 'design' e incluíram nas suas exposições novas tecnologias que atraem o público jovem, como CD-ROM, multimídia e elementos interativos que atraem a participação do público.

E, principalmente, começaram a olhar para o seu visitante. E a se perguntar: quem é esta pessoa, quais são os seus gostos, suas preferências culturais, se ela vem aqui espontaneamente ou influenciada pela opinião de amigos ou pela mídia. Será que ficaria aqui mais tempo se lhe oferecermos outras atividades e serviços bem estruturados como biblioteca para consulta, sala de vídeo e cinema, além de restaurante e lanchonete?

Afinal, quem é este visitante, quais são suas características, idade, de que bairro vem, qual a sua opinião?

Estas e outras questões vêm sendo colocadas por diversos museus do mundo a seus visitantes. O Metropolitan Museum of Art e o Museum of Modern Art de Nova Iorque fazem freqüentemente as suas pesquisas de visitante para saber qual o impacto econômico da ida de mais turistas àquela cidade por ocasião de mega-exposições como a "Retrospectiva de Henri Matisse" no MoMA em 1992 e, no mesmo período, a de "Magritte" e a de "Jusepe Ribera: Realista Espanhol na Itália Barroca" no Metropolitan (Arts Research Center: 1993). Os turistas deixam milhares de dólares na cidade e motivo de sua ida é, principalmente, assistir a estas mostras. Estas pesquisas são desenvolvidas em conjunto pelos órgãos de turismo e pela prefeitura da cidade.

Em Washington D.C., capital dos Estados Unidos, o Smithsonian Institution ,que coordena 15 dos principais museus nacionais naquela cidade, tem um departamento chamado "Institutional Studies" que realiza todas as pesquisas para ouvir a opinião do público desses museus.

Querem saber qual o perfil do seu visitante e descobrir suas preferências culturais, como por exemplo, o Museu Nacional de História Natural, cujos vistantes gostam de visitar primeiro os dinossauros (adultos com crianças), pedras preciosas e minerais (visitantes de fora da cidade desacompanhados de crianças) e a exposição temporária do momento "Aranhas" (visitantes freqüentes que vão sozinhos). (Bielick, S. et alli: 1995).

No Museu Nacional Aeroespacial, o mais visitado de todos, os visitantes preferem ver primeiro a nave que pela primeira vez levou o homem à Lua (Doering, Z.: 1992). Além disso oferece filmes projetados em telas de 360 graus para que o público sinta-se no espaço sideral. Cada vez mais os museus percebem que fazer o visitante sentir-se dentro daquela situação, naquela época, naquele local , o faz vivenciar uma experiência tão agradável quanto marcante em sua memória.

E por que todo este interesse no visitante Os museus descobriram que podem planejar melhor sua programação e direcionar melhor a sua divulgação se conhecerem melhor o seu visitante. Desta forma poderão criar estratégias para atrair o público que ainda não os freqüenta.

E você pensa que é só por isso?

Os administradores de museus já descobriram que há uma relação entre freqüentadores de museus, e os de teatro, cinema, concertos, os que lêem livros e os que têm como hábito freqüentar outras atividades culturais.

Nos Estados Unidos os museus querem aumentar o número de visitantes porque o impacto da receita dos ingressos (em torno de 7 reais cada) e dos produtos vendidos nas lojinhas (cartões-postais, catálogos, livros posters, reproduções e objetos) significa algo em torno de 35% do orçamento anual de museus de médio porte (Kreidler: 1994). Daí ser fundamental que as exposições sejam sucesso de público. E que os serviços também atraiam e façam o visitante ficar mais tempo lá se educando, consumindo e gerando receita.

Os museus brasileiros, principalmente os maiores, começam a operar com estes conceitos, mesmo que o número de visitantes não seja tão alto. O Museu da República, por exemplo, está iniciando uma pesquisa para conhecer o perfil do seu visitante. São 2.500 pessoas que passam diariamente por suas dependências: um belíssimo jardim de 24 mil m2 que ocupa um quarteirão que vai da Rua do Catete à Praia do Flamengo, um verdadeiro oásis de vegetação, lagos, 'playground', brinquedoteca, Usina do Catete - com a instalação multimídia "Eletrize-se" e acesso, é claro, ao Museu e aos demais serviços: cinema administrado pelo grupo Estação Botafogo, restaurante, galeria de arte, sala de fotografia, livraria, loja de 'design', teatro, espaço multimídia, biblioteca com coleções de CD-ROM e vídeos e acesso a computadores.

Além disso o museu em si é um belíssimo palácio construído por um rico exportador de café em meados do século XIX. De arquitetura neoclássica e com luxuosa decoração interna, o museu encanta o visitante porque também foi a sede da Presidência da República até 1960, com a mudança da capital federal para Brasília. Ali, no Palácio do Catete, trabalharam e viveram 18 Presidentes da República e muitos acontecimentos importantes na vida política do país desenrolaram-se em suas dependências. Só para citar alguns: a recepção aos reis da Bélgica, a assinatura da entrada do Brasil na 2a. Guerra Mundial, o suicídio de Getúlio Vargas, a posse de Juscelino Kubitschek.

O grande desafio para a equipe do Museu com esta pesquisa é saber se o visitante que vai ao prédio do Museu e ao parque aproveita os serviços e atividades que estão à sua disposição. Aparentemente são oferecidas atividades para todas as faixas etárias de forma que numa família, cada membro tenha algo de interessante para fazer. Isto é verdade ? Existe um visitante ideal que freqüente quase todas as atividades ? Qual o seu perfil cultural e sócio-econômico?

Quem são vocês? Esta é a pergunta que a equipe do Museu da República pretende fazer aos seus visitantes durante um bom período de tempo, para conhecer o seu perfil sócio-econômico e cultural, os seus gostos e a sua opinião sobre as diferentes atividades que oferece.

São 2.500 pessoas em média por dia. Esta é a população-alvo do estudo. Todos os que entram nas dependências do parque e do Museu. Este público vem aumentando cada vez mais graças ao crescimento qualitativo e quantitativo da programação cultural do Museu da República, aliado ao grande atrativo que é o seu imenso parque e aos novos serviços oferecidos (cinema, restaurante, livraria e loja de 'design').

Outro forte indício da relação entre lazer e cultura procurada pelo visitante hoje nos museus é que os museus de história que apresentam ambientação de época nas suas exposições - utilizando elementos cênicos, recursos de som e imagem - são de grande apelo audiovisual e de fácil apreensão para o público em geral.

Parece que o carioca e o turista que vem de outros estados já descobriu o excelente equipamento cultural da cidade do Rio de Janeiro e a efervescência de sua programação.

Queremos descobrir, com a pesquisa, através de entrevistas, o que estas pessoas acham dos serviços, o que gostariam de ter a mais - para que estas informações continuem norteando o planejamento das atividades culturais, das publicações, da sinalização.

Deseja-se também "abrir a cabeça" das pessoas para a idéia de que cultura, entretenimento, conforto e prazer podem ser encontrados num Museu. E quer-se que elas nos ajudem a entender como fazê-lo.

Por isso o Museu da República está idealizando esta pesquisa com profissionais experientes do IBGE, os quais ajudarão na formulação das entrevistas, no processamento dos dados e na confecção de tabelas para a análise dos resultados. Esta equipe da Escola Nacional de Ciências Estatísticas já realizou pesquisas semelhantes com a antiga Fundação Nacional Pró-Memória em 1988 (da qual participamos), em 1993, com o Museu Nacional de Belas Artes e em 1995, com a FUNARTE, no seu Festival de Dança.

A pesquisa contará ainda com o apoio de alunos do curso de graduação em Museologia da UNI-RIO, os quais aplicarão os questionários no Museu e no parque, o que constitui um interessante desafio. Simultaneamente, estaremos tendo uma consultoria em todo o processo desta pesquisa por parte da professora Lena Vania Ribeiro Pinheiro, orientadora da dissertação de Mestrado em Ciência da Informação do CNPq/IBICT - ECO/UFRJ que aborda o tema.

No Museu da República disporemos da seguinte equipe: uma historiadora, uma socióloga e uma profissional de relações públicas e museóloga com experiência em pesquisa de público na Fundação PróMemória e treinamento em museus norte-americanos (no Smithsonian, no MoMA de Nova Iorque e no Museu de Fine Arts de San Francisco). Com este conjunto de profissionais e instituições, a pesquisa do perfil de visitante do Museu da República revelará, no mínimo, aspectos interressantes que ajudarão seus administradores a desenvolver atividades que atinjam ou se aproximem das expectativas de seu público.

Esta pesquisa deverá acontecer por 12 meses no museu e no parque.

Ao conhecer o perfil do seu público uma instituição pode dialogar melhor com ele, ouvir suas sugestões, propor-lhe novas formas de parceria, transformando-a, de fato (o que é fácil de falar, mas difícil de concretizar) numa integração comunitária. Quanto mais o museu identificar os diferentes segmentos de público com os quais se relaciona, melhor lhes direcionará suas exposições e atividades culturais. Afinal a quem os museu pertencem?


Bibliografia

BIELICK, S.; PEKARIK, A.J. & DOERING, Z.D. Beyond the Elephant: A Report based on the 1994-95 National Museum of Natural History Visitor Survey. Relatório Técnico. Washington, D.C.: Smithsonian Institution, 1995.
CARVALHO, Márcia M. Perfil dos Visitantes do Museu Nacional de Belas Artes. Estatística Aplicada. Relatório de final de curso. Escola Nacional de Ciências Estatísticas/IBGE. Rio de Janeiro. 1994.
Centro Cultural Banco do Brasil. Parcerias. Relatório da pesquisa realizada em dezembro de 1995 pelo Instituto GERP. Banco do Brasil, Brasília, 1996.
DOERING, Z.D.; MANNING, R.D. & BLACK, K.J. 1988 National Air and Space Survey: Technical Documentation. Relatório Técnico. Washington, D.C.: Smithsonian Institution, 1992.
The Economic Impact of Major Ehxibitions at The Metropolitan Museum of Art, The Museum of Modern Art and The Solomon R. Guggenheim Museum. Relatório. New York, NY: Arts Research Center of the Alliance for the Arts, 1993.
KREIDLER, John. Chairman of Arts. San Francisco Foundation. Entrevista concedida em 21/10/1994. San Francisco, CA.
ALMEIDA, Eros Ramos de. Uma febre cultural se propaga na cidade. Rio de Janeiro: O GLOBO, 7/4/1996.



Rosane Maria Rocha de Carvalho
Graduada em Museologia e Relações Públicas. Chefia a Divisão de Pesquisa do Museu Histórico Nacional. Atuou na Fundação Pró-Memória e no Museu da República. Concluiu mestrado abordando a questão da pesquisa de público. Especialista (Fulbright, EUA), atuou nos museus The Fine Arts Museum of San Francisco, Smithsonian Institution, National Museum of The American Indian e The Museum of Modern Art (MoMA).

Voltar ao topo