Prática
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Se há uma economia da cultura, se há um mercado de bens culturais, e se há PIB e consumo da cultura; há que se ter competência em marketing cultural

 (2010, primeiro semestre)


Manoel Marcondes Machado Neto


Para ficar bem por dentro desse tema e fugir um pouco ao formato tradicional de texto, optamos por um "jogo" de dez perguntas e respostas:

1) As empresas usam a arte como instrumento de marketing? Como se deveria fazer isto?

Usam e abusam. Sem o abuso, obviamente, o que se deve fazer é adequar os projetos que patrocinam. E depois ativá-los. As empresas, que devem conhecer muito bem os seus segmentos de público-alvo, precisam analisar em profundidade todos os gêneros artísticos (artes visuais, cênicas, música, literatura, entre outros) e, dentro desses gêneros, escolher os projetos disponíveis a partir de suas respectivas audiências, obtendo um alinhamento de ambos. Depois devem ativar seu patrocínio investindo significativamente na promoção do mesmo, integrando essas ações a suas áreas de negócios, fornecedores, públicos interno e de interesse específico – e por aí vai.

2) A que aspectos os administradores devem estar mais atentos na hora de planejar uma estratégia de marketing cultural?

De novo. O aspecto da adequação de público, além, é claro, da originalidade da proposta. É preciso fugir da mesmice, o que, sabemos, é cada vez mais difícil numa sociedade massificada. A análise de resultados após a realização da iniciativa, o que infelizmente nem sempre acontece, é outro aspecto crucial. Adicionalmente, deve-se procurar iniciativas mais duradouras. O patrocínio avulso, sem política ou estratégia, aqui e ali, não gera recall de marca. É tempo de programas e políticas. Coisas que durem.

3) Como as leis de incentivo podem ajudar as empresas a investir em cultura?

Incentivos fiscais cumprem, sempre, uma função de abertura de caminhos. Foi assim com a Amazônia, com a fabricação de aviões e com a indústria eletroeletrônica. Um dia, porém, os incentivos acabam. Têm que acabar. É preciso, na fase dos incentivos, aprender com os projetos, para, depois, poder-se realizar sem a necessidade desses mecanismos. Por sinal, incentivos fiscais sempre recebem críticas, vide a – interminável – revisão por que passa a Lei Rouanet. Ninguém está satisfeito. Ninguém ficará satisfeito. Não há dotação orçamentária importante. É uma política precária. “O cobertor é curto”.

4) Quais são os maiores erros que as empresas vêm cometendo em suas estratégias de patrocínio à cultura?

Falta de criatividade é o pior deles. As empresas continuam trilhando os caminhos mais conhecidos. Os produtores têm uma parcela de culpa, pois inovam muito pouco. E os verdadeiramente novos talentos carecem de profissionais de marketing e de produção que os amparem. A produção artístico-cultural brasileira talvez seja a mais rica do planeta, mas só uma pequena parcela de seus artistas consegue fazer circular suas obras.

5) Como corrigir esses já antigos erros?

Com capacitação. É o único meio: preparar gente para a gestão sustentável. Isto é o “sistema marketing” – um modo descentralizado de produção e distribuição. Só isso. O ensino do marketing cultural é muito recente no país. Há ínfima pesquisa e literatura. Na UERJ temos um grupo de pesquisa e um pólo de capacitação na área desde 1994 – e um novo curso continua a tradição sendo oferecido semestralmente: "Marketing Cultural: Gestão, Finanças e Indústria Criativa", atualização em 90 horas-aula.

6) Quais são os desafios impostos ao marketing cultural para fazê-lo crescer?

Além da já citada capacitação, uma incessante profissionalização, a penetração no fechado nicho das agências de propaganda e, por incrível que possa parecer, o fim das leis de incentivo fiscal às empresas. Enquanto o Estado ceder arrecadação pelos critérios atuais, o tráfico de influência prevalecerá sobre o profissionalismo. Deveria permanecer, apenas, o incentivo fiscal para a Pessoa Física investir. Exatamente como acontece no exterior.

7) Qual o antídoto para a arrogância dos gerentes de marketing?

Há exceções, mas há algumas "pérolas" que sempre ouvimos de poderosos (às vezes tão poderosos quanto ignorantes e incultos) gerentes de marketing: perguntas sobre quem é a atriz da Globo que protagonizará o filme, tentativas de mudança no roteiro (até o nome do filme "O cheiro do ralo" um potencial patrocinador tentou modificar) ou, simplesmente, "a porta na cara", como aconteceu muitas vezes com os produtores do filme "Simonal - ninguém sabe o duro que dei". Até a personagem Seu Creysson (do casseta Claudio Manoel, que com Calvito Leal e Micael Langer produziram o filme) teve que entrar na maratona de cold calls e, mesmo assim, isto só ajudou a abrir portas. Dinheiro que é bom, nada. A não ser o de alguns amigos que, justamente, pelo amor à Arte, ao projeto e aos seus autores - ou seja, pelas razões certas! - resolveram colocar dinheiro na iniciativa sem pedir metros quadrados de propaganda em troca. Precisamos desenvolver nossos filantropos!

8) E o que dizer da gentileza com chapéu alheio?

Outro problema é a confusão entre patrocinador e mecenas. Em razão de um pensamento torto que se criou no país desde a Lei Sarney, os tais executivos de marketing - da "perfumada" indústria do sabonete ao das poluentes petroleiras - julgam-se mecenas contemporâneos porque penduram suas marcas em tudo que possa ser visto, assistido, ouvido ou acessado acerca da produção dos pobres e infelizes artistas que resolvem "ajudar", ou "apoiar" com seus patrocínios, que, aliás, nada de "seus" são, pois em 90% das vezes trata-se de fazer promoção com o dinheiro dos contribuintes.

Por último, um grande nó: a mistura entre o público e o privado. Os produtores brasileiros querem produzir os seus sonhos (privados) com o dinheiro alheio (o nosso). E esperneiam quando não o conseguem. Vão aos balcões dos governos (que deveriam ser "de todos") e também se revoltam quando não recebem dinheiro público.

9) Qual é a saída? Empreender?

O que parece que realizadores no Brasil estão finalmente entendendo, depois do cobertor curtíssimo das leis de incentivo à cultura (Rouanet, Audiovisual, ICMS, ISS etc.) é que a atividade de produção cultural pode - há exceções, claro – ser encarada como outro negócio qualquer. Põe-se dinheiro e trabalho (muito trabalho) em algo em que se acredita. O resultado poderá vir ou não. Há o fator risco. E esse risco faz parte do negócio da produção cultural no mundo todo. Poucos lugares (talvez nenhum, exceto o Canadá, por razões óbvias), como o Brasil, são capazes de doar dinheiro público a um Cirque de Soleil ou a um Coca-Cola Vibezone. Tem que haver risco! A falta desse risco é justamente o que distorce a compreensão dos players desse mercado (atores, diretores, músicos, sonoplastas, figurinistas, maquinistas, contra-regras, roadies, divulgadores etc. etc. etc.) quanto a financiamento, investimento, rentabilidade, viabilidade, autosustentabilidade e outros jargões que qualquer negócio envolve, desde abrir uma pastelaria até construir um novo estaleiro. Repetimos: há exceções – e essas devem ser mesmo financiadas pelo Estado. O caso das grandes orquestras sinfônicas e de centros culturais públicos e gratuitos (como os CCBBs) são os melhores exemplos.

Para ter a competência necessária para lidar com a tal da Economia da Cultura e o mercado de bens culturais é que cada grupo criativo deve procurar educar um de seus membros (ou trazer alguém já "pronto") para tratar das questões de marketing cultural.

10) Ainda se pergunta por quê marketing cultural?

Infelizmente, a maneira como tem sido conduzida a política cultural no Brasil nos últimos 23 anos (a Lei Sarney é de 2 de julho de 1986), baseada quase que exclusivamente em incentivos fiscais, gerou esse tipo de pensamento.

Apoiar a cultura com incentivo fiscal deveria servir para criar uma cultura de mecenato, o que, infelizmente, ainda não aconteceu. O incentivo – como acontece em qualquer país ou atividade – deve sair de cena em curto prazo. E ficam aqueles agentes que "aprenderam" e apreciaram os resultados a ponto de passar a destinar o que o ministro chama de "dinheiro bom" (parte de suas verbas de comunicação) ao financiamento ou apoio à viabilização de manifestações artísticas e espaços culturais, ajudando a dar forma (é claro que quem manda aqui é o artista, o criador), a atribuir preço (que remunere a ação mas que também esteja ao alcance do seu público), distribuir e promover – por tudo isso é que a atividade é de marketing cultural e não de engenharia cultural, arquitetura cultural, atitude cultural ou qualquer bobagem dessas que alguns inventam para ganhar dinheiro nas costas dos artistas.

O patrocinador (com ou sem incentivos fiscais) faz o “marketing” da cultura porque contribui para que o artista, o grupo, o espaço, o bem cultural, enfim, ganhem seu espaço e procurem o seu público, o seu nicho no mercado, aumentando as opções de, como queria Celso Furtado, enriquecimento cultural da sociedade.

(Anais do COMCULTURA - Seminário de Políticas Públicas de Cultura - no prelo).



Manoel Marcondes Machado Neto
Professor Adjunto da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP, mestre em Comunicação (ênfase em Sistemas de Informação) pela UFRJ e especialista em Análise de Sistemas e Métodos pelo Saint Charles CPE (EUA). Graduou-se em Relações Públicas pelo Instituto de Psicologia e Comunicação Social da UERJ. Autor dos livros “Marketing Cultural: das práticas à teoria” e “Relações Públicas e Marketing: convergências entre Comunicação e Administração”. Consultor de empresas desde 1980, pertenceu aos quadros da Accenture por oito anos. Editor dos sites www.marketing-e-cultura.com.br e www.cpdcom.inf.br na internet.

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