09.02.2011 - O Globo - Segundo Caderno - P. 2 - Antonio Adolfo - Comentários sobre as "imprecisões" apontadas pelo Hermano Vianna (carta).

Quando se faz uma doação, não importa a quantia, e sim a intenção, principalmente quando se torna sistemática, feita não por uma, mas por várias corporações, evidenciando, no mínimo, uma afinidade ideológica. Não importa o fato de a cantora/compositora Joyce Moreno ter se enganado sobre o valor das doações feitas pela maior empresa da internet ao Cretive Commons (CC). Portanto, quando nossa querida colega mencionou US$ 30 milhões não teve desqualificado seu comentário. A não ser por Hermano Vianna, irmão do músico Herbert, dos Paralamas, que se posicionou contrário à profissional sempre consciente e presente, Joyce, bem como à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, por esta ter retirado do site do MinC, um órgão governamental, a logomarca de uma entidade não governamental, de origem estrangeira e com atuação global.

Hermano parecia querer desviar o foco do problema a que Joyce, no fundo, se referiu, chamando a atenção para a (equivocada) quantia mencionada por ela num comentário que esta havia feito a um jornal de grande circulação. E demonstrou saber muito bem o que se passa nos bastidores do CC, em relação a números e contas etc., ao declarar em sua coluna, e dizer que o CC recebeu da maior empresa da internet US$ 1 milhão e mais US$ 500 mil e mais US$ 30 mil, e que as doações anuais vão a mais de US$ 550 mil.

Dá para achar que não somente ele, mas outros que têm apoiado essa ONG devam ter interesse no sucesso da referida entidade ou se omitem sobre os reais danos que o CC pode causar aos criadores.

Essa entidade, equivocadamente, propaga que não há necessidade de assessoria ao se utilizar as suas licenças. Induz os aspirantes ao sucesso comercial de suas obras a acreditar que com o uso de tais licenças conseguirão atingir seus objetivos. Na verdade, há sim aí grande imprecisão, já que essa meia dúzia ou dezena de licenças formatadas propostas demonstra claramente é a prioridade em se liberar o conteúdo do criador e não a de atuar em sua defesa. Por que tanto interesse em utilizá-las, ainda que sob o falso manto da "cultura livre"?

Não será apenas mais uma armadilha contra o criador, a partir de se tentar conquistar a opinião pública? Ou será um simples mecanismo que visa dar legalidade à expropriação da produção intelectual usado pelos grandes difusores do conteúdo, com a promessa de maiores espaços, enquanto lhes roubam as obras com o discurso sistemático do "livre acesso à cultura"?

Atitudes e direções como as do CC, assim como comentários e artigos como os que escreveu Hermano Vianna, nos fazem pensar que a urgência de se reformar uma lei atual, como a 9.610, do Direito Autoral, muito mais do que outras que representam tremendo atraso aos profissionais da criação, partiu da batuta da tal ONG e/ou seus simpatizantes. E quanto congressos e simpósios sobre direito autoral foram organizados para se tocar esse projeto a ritmo de correria, resultando em um texto superfalho, confuso e ultrapassado? Uma colcha de remendos mal-intencionados.

Não nos esqueçamos de que os direitos autorais em todas as suas formas são os mesmos (com ou sem internet): direito artístico, fonomecânico, direito de execução pública, direito conexo, sincronização, direitos morais... Mudam-se os nomes dos personagens, "mas a base é uma só".

Ah, sim, por falar em direitos morais, uma das maiores conquistas do criador corre enorme risco de desaparecer, ao se permitir ostensivamente a obra derivada, que pode criar subprodutos derivados, bem como as licenças permitem e até incentivam a omissão do nome do criador. Mesmo que, no site do CC, fale-se que serão preservados, quem garante? E quem irá lutar pelos criadores para fazer valer tais direitos, caso sejam violados? A FGV?

Insisto que as licenças que tanto pregam são totalmente possíveis sem o CC e muito mais amplas se baseadas na lei atual. Há na lei 9.610 diversas possibilidades mais amplas e objetivas, o que permite que o criador possa livremente negociar a sua criação. Não há contratos presets (pré-formatados) que limitam as possibilidades numa negociação.

O que o CC deveria fazer, em vez de criar mecanismos para liberação (até gratuita) de nossas obras, seria criar mecanismos para ajudar a combater a pirataria generalizada.

Querem pegar a parte "mais fraca", o criador, e fazer com que este libere o conteúdo de sua criação. Covardia. Por que não liberam geral e ninguém mais recebe pelo que produz? Nem profissionais, nem empresas, nem ninguém? Por que só nós temos que abrir mão do que é nosso? Por que estão tão preocupados com documentos que legalizam nosso licenciamento?

E por que não enfrentam as gravadoras, as editoras? Por que fazem esse jogo por baixo do pano contra nossas Associações de Titulares de Direitos? Por que não liberam por essas licenças presets toda a obra criada pelos defensores do CC, incluindo o autor do artigo na coluna de O Globo do dia 4? Como disse Aldir Blanc, que todos nós entendemos: "O que será do nosso futuro?".

Antonio Adolfo, compositor, arranjador, produtor e pianista.

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