28.02.2009 - O Globo - Prosa & Verso - P. 6 - Miguel Conde - A rejeição vem pelo correio: cartas de editoras inspiram obra divertida de autor canadense

Temidas por todo autor que pretende ser publicado, as cartas de rejeição se tornam um divertido exercício de estilo no recém-lançado "A arte de recusar um original" (Rocco). No livro, o canadense Camilien Roy cria 99 diferentes cartas de rejeição de editoras para um autor imaginário (e desafortunado), em tons que vão do enfático ao desdenhoso, passando por cartas em verso e até em branco. Roy, que conseguiu publicar os três livros que escreveu até hoje, conversou com O Globo sobre a obra.

Como você teve a ideia de escrever um livro só com cartas de rejeição? É de algum modo uma vingança contra editores que rejeitaram originais seus?

Comecei a pensar neste livro quando estava tentando publicar meu segundo romance, e recebi uma carta de rejeição de uma grande editora francesa. Quando abri o envelope, em vez da carta propriamente dita havia uma fotocópia de péssima qualidade da carta de rejeição. Eu tive que rir. Pensei: "sou tão ruim que não mereço nem o original da carta". Começou daí. Sentei para escrever e percebi que tinha ideias para um monte de cartas.

Você fez alguma pesquisa entre amigos escritores para encontrar modelos diferentes de cartas?

Nenhuma. Minha única regra era não ser repetitivo, não escrever a mesma carta duas vezes. Queria uma voz individual para cada uma delas.

Cada carta no seu livro é precedida de uma espécie de classificação, como "direto", "paranóico", "clássico". Como você chegou a cada tipo de carta?

Eu nunca partia desses títulos para depois fazer o texto. O que acontecia, quase sempre, é que alguém me dizia alguma coisa, no supermercado, ou no banco, e eu pensava "esse tom é interessante, posso usar isso". Então eu anotava num pedaço de papel e depois, quando chegava em casa, trabalhava a partir disso. A maioria surgiu assim. E algumas coisas básicas eu já sabia desde o princípio. Que algumas cartas seriam gentis, outras não tão gentis, outras completamente inacreditáveis, como a que é escrita no formato de uma peça... O engraçado é que quando o livro saiu no Canadá alguns jornalistas pensaram que aquilo era uma história real, que eu de fato tinha recebido todas aquelas cartas. Foi até um boa surpresa, me mostrou que o livro tinha algum tipo de verossimilhança.

Entre as cartas que você já recebeu, há alguma particularmente estranha?

A maioria delas é bem chata. É sempre a mesma coisa, em todas as editoras. Quando eu estava tentando publicar este livro, houve apenas uma engraçada, em que o editor respondeu: "lemos o seu livro, mas não gostamos, então pode acrescentar esta carta à sua lista". As outras todas se enquadrariam na categoria do que chamo no meu livro de modelo clássico.

No Brasil, as editoras não prestam muita atenção aos originais que chegam pelo correio. Em geral, quem consegue ser publicado já chegou à editora recomendado por um outro autor. Como funciona esse processo no Canadá?

Você manda pelo correio e espera a resposta. A França é mais parecida com isso que você descreve. Lá, em geral, você precisa conhecer alguém. Aqui, o que funciona é mesmo o correio. Eu não conheço ninguém, mas escrevi três livros e todos eles foram publicados. Sei que algumas editoras recebem até mil manuscritos por ano, e publicam cerca de cinco. Os escritores não devem tomar como pessoal uma rejeição. É parte do jogo, se você não tem nome.

E você, quando lê um livro realmente ruim, às vezes escreve mentalmente uma carta de rejeição para o autor?

Não, não. Prefiro apenas parar de ler.

Em comparação a seus dois romances, a escrita deste livro foi mais divertida, mais fácil?

Muito mais. Quando você escreve um romance passa três anos de sua vida em função disso, é diferente. Uma coisa que aconteceu, quando escrevi meus romances, é que a certo ponto, por algum motivo, um personagem escrevia uma carta. E quando escrevia a carta eu pensava "isso é divertido. É curto, não é complicado...". Neste novo livro, levei no máximo uma semana escrevendo cada carta. Algumas, escrevi em um dia.

E você dá a este livro o mesmo valor que dá a seus livros anteriores? Ou considera que ele foi apenas um divertimento?

Sempre que termino um livro, ponho o manuscrito de lado por um ou dois meses para depois reler de novo, e ver se aquilo vale alguma coisa. Quando fui reler este livro, pensei: "não vale nada", e joguei tudo no lixo. Uns cinco segundos depois, pensei: "Bem, gastei um ano fazendo isso. Eu devia pelo menos tentar publicar". Escritores provavelmente não são os melhores juízes do próprio trabalho, isso é algo que aprendi.

Depois que o livro foi publicado, muitos escritores foram contar histórias para você de cartas que eles haviam recebido?

Sim. Fiquei impressionado com a quantidade de escritores que compravam o livro nas feiras literárias de que participei. Eles não paravam de rir, diziam "recebi uma carta dessas", "essa aqui é minha história". Também recebi cartas de editores dizendo que tinham adorado. Em Quebec, um editor comprou cinco livros, e falou "vou dar para todos meus amigos editores, há algumas ideias realmente muito boas aqui". Então pode ser que eu acabe sendo indiretamente responsável pela futura depressão de um autor rejeitado.

ENOJADO

Senhor, essa imundície defecada pelo seu cérebro em mais de trezentas horrendas páginas está emporcalhando minha mesa de trabalho. Fiquei enojado com essa obra fedorenta que o senhor ousou qualificar de romance. Essa bosta gosmenta que o senhor confunde com literatura me causou grave mal-estar...

PATERNALISTA

Meu rapaz, se eu me dou o trabalho de escrever para você é porque lhe quero bem. Todavia, tenho a impressão de que você não irá gostar do que tenho a dizer. Adivinhou? Seu original foi recusado. Mas não fique assim, pois isso não significa nem o fim do mundo nem o fim da sua carreira literária. Recusei seu original para seu próprio bem. Sim! Sim! Para seu próprio bem. Seu estilo denuncia sua juventude...

REDUNDANTE

Caro senhor, caro amigo, nós recebemos o manuscrito, o texto que você nos enviou, que você submeteu à nossa equipe. Nós o lemos com muita atenção, com muito cuidado. (...) Nossa comissão de leitura é aberta, é tolerante, mas... Não há o que fazer: seu manuscrito não agradou, não gostaram dele...

SARCÁSTICO

Senhor, ficamos muito felizes com o fato de o senhor ter pensado em nós para publicá-lo. (...) Se a qualidade do seu manuscrito é equivalente à estima que o senhor consagra à nossa editora, é de se imaginar o destino que aguarda aqueles que o senhor despreza. (...) Assim que o senhor terminar um novo trabalho, envie-nos, pois nossa equipe de leitura está trepidando de impaciência para ler outra de suas "obras-primas".

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