10.04.2008 - O Dia - Buraco da Lacraia - Milton Cunha - Batalhadores da arte...

O que te parte o coração? Criança abandonada? Noiva deixada no altar? Doente terminal em CTI? Tudo isso junto?

Pois para mim, o esforço dos artistas sem público, é o que me leva às lágrimas e a profundas reflexões. Aqueles que oferecem o entretenimento e por vários motivos não podem exercer seu ofício, são dignos de aplausos e colo.

Pois fui ver Hedda Gabler, texto de Ibsen que amo e que tive o prazer e sorte de assistir décadas atrás, com a magistral Dina Sfat, agora remontado com o grupo de Virginia Cavendish e Walter Lima Junior.

Vale ressaltar a coragem desta gente em escolher tal empreitada, pois o mais fácil é um besteirol ou um comercial já testado pela opinião pública. Mas artista é um bicho esquisito, se apaixona pelo projeto e paga para ver. No horário marcado para começar o espetáculo, éramos nove espectadores. Número menor que os envolvidos na montagem por trás das cortinas.

Às nove e quinze, um desolado ator desce as escadinhas do meio do palco, já vestido e caracterizado como seu personagem do século passado, e diz: “Sinto muito. Adoramos o esforço de vocês de estarem aqui. Respeitamos e consideramos cada um de nossos espectadores. Mas não dá. Não é possível representar este drama denso durante duas horas em condições tão adversas (nós, espectadores, não preencheríamos sequer a primeira fila da platéia, colada ao palco). Amanhã vocês são nossos convidados para assistir de graça ao espetáculo. Se Deus quiser amanhã vem mais gente...”.

A cortina que não abrirá, o sofrimento e loucura de Hedda, que não viverá naquela noite, a despedida que se antecipou ao encontro. Aquele homem de antigamente que surgiu de um lugar que não é seu, cortinas fechadas, para falar conosco. O que não foi, sem sempre ter sido: o mágico mundo do teatro e seus maravilhosos obreiros. Era terça, estava chovendo, o ingresso é caro, os atores não estão na novela, o texto é difícil, a crítica não elogiou, as pessoas não saem mais de casa com medo da violência, casa de espetáculo é criadouro de mosquito da dengue: Santo Deus, o que pode explicar tamanha penúria de meus amados artistas, condenados à solidão da falta de incentivos?

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