13.10.2005 - O Globo - Esporte - Blatter: ganância ameaça futebol. (Matéria comentada).

PRESIDENTE DA FIFA CRITICA DURAMENTE CARTOLAS, JOGADORES E EMPRESÁRIOS.

LONDRES. O presidente da FIFA, Joseph Blatter, criticou duramente o que chamou de milionários do futebol, que estariam se aproveitando do esporte. Ele acusou os ricos proprietários de clubes, os jogadores que ganham salários milionários e os empresários, que transformam jovens jogadores em escravos, de por em risco o futuro do futebol, ante a passividade das federações nacionais. No caso dos empresários, Blatter citou especificamente o que ocorre no futebol brasileiro.

"O que temos hoje em dia no futebol é uma minoria de ricos e uma maioria de pobres. Esse não pode ser o futuro do nosso esporte. A FIFA não pode permitir que a ambição desmedida tome conta do futebol", afirmou o dirigente em artigo publicado no jornal inglês "Financial Times", com o título "A ganância está ameaçando um jogo bonito".

Blatter disse ainda que uma comissão da FIFA vai agir para diminuir a influência "do capitalismo selvagem e mal dirigido", que asfixia o futebol: "Estou confiante que esta iniciativa dará resultados a curto prazo. Surgiram pessoas com pouca ou nenhuma vivência no esporte e que encontraram no futebol o instrumento ideal para por em ação uma agenda secreta. Vindo do nada, eles investem somas obscenas de dinheiro", afirmou Blatter, que não citou nomes, mas, obviamente, está se referindo a alguns grandes clubes ingleses, como Manchester United e Chelsea, de propriedade dos milionários Malcolm Glazer, americano, e Roman Abramovich. O russo comprou o Chelsea, há dois anos, e gastou neste período 500 milhões de dólares na aquisição de jogadores.

"Somas exorbitantes de dinheiro permitiram a um punhado de proprietários terem o controle total e dividir quantias inimagináveis de dinheiro com um pequeno grupo de astros. Existe uma maioria que luta com lanças contra uma minoria de privilegiados, que possui bombas nucleares. E temos ainda um novo tipo de escravidão, quando especuladores compram os direitos comerciais de jovens jogadores, com freqüência brasileiros, para vendê-los depois, com grandes lucros, para os clubes".

Blatter critica passividade das federações nacionais.

As críticas de Blatter sobraram ainda para as federações nacionais, como a CBF. Ele disse que, enquanto a FIFA apresenta um resultado financeiro saudável e reinveste no futebol 75% do seu faturamento, não se pode dizer o mesmo das 207 federações nacionais que "não ajudam os clubes".

"O futebol é popular por oferecer diversão e esperança a uma grande maioria e não por causa da falsa popularidade de alguns; mais com o respeito ao próximo do que para saciar a ganância de algumas pessoas. Como é possível existir uma Liga (refere-se à Inglaterra) em que, com apenas cinco rodadas, já é possível saber, com quase toda a segurança, quem será campeão (Chelsea). Como os torcedores podem dizer 'minha equipe', se um clube inglês (Chelsea de novo) possui jogadores de 19 países".

O presidente da FIFA atacou ainda os jogadores: "É inaceitável que negociações salariais tenham como principais protagonistas jogadores semi-analfabetos que, com freqüência, ganham 150 mil euros por semana e extorquem os clubes até receber 180 mil euros. Em muitos casos, estes jogadores obedecem as ordens de empresários. É uma loucura que um jogador receba entre 9 e 11 milhões de euros por ano, mais do que o orçamento anual de um clube, mesmo que ele dispute a Liga dos Campeões da Europa. Qual a necessidade de um jogador de 20 anos exigir uma quantidade de dinheiro por mês que nem seus pais, nem a maioria dos torcedores, podem esperar ganhar em 20 anos?".


COMENTÁRIO DO EDITOR:

Pode parecer estranho que esta matéria esteja "clipada" neste site mas alguns de seus aspectos ilustram com propriedade os riscos que a influência externa de personagens que ("vindo do nada, investem somas obscenas de dinheiro"), utilizando-se da lógica do capital, podem ocasionar.

Em primeiro lugar ressalte-se que a crítica não vem de um ente externo, de um ex-dirigente ou de um ex-astro, mas do presidente no exercício do mandato de uma das mais poderosas organizações do planeta. Por sinal a FIFA tem 207 países afiliados, mais que a ONU, e rivaliza, (de quatro em quatro anos, na organização de um evento bilionário - a Copa do Mundo) com as Olimpíadas e o COI, que, simplesmente, abrangem todas as outras modalidades esportivas e envolvem um sem número de atletas que, fora do
glamour daqueles momentos, passam por dificuldades agudas - não só no esporte, mas de sobrevivência - em seus países de origem.

O esquema que gira em torno dos escolhidos fabrica fatos e a "falsa popularidade"' mencionada por Blatter tem na mídia a principal plataforma de constituição e inflação de um
star system em tudo similar a o que ocorre no cinema e na música - cenários também de uns poucos milionários e de muitos trabalhadores das artes que gravitam buscando luz e calor dos centros galáticos. O também mencionado "capitalismo selvagem e mal dirigido" produz uma ordem de vampiros com "pouca ou nenhuma vivência no esporte e que encontraram no futebol o instrumento ideal para por em ação uma agenda secreta", vivendo de tráfico de poder e influência.

Pode parecer um pouco tarde para que o presidente da FIFA atente para a "ambição desmedida", mas é de dentro do sistema que pode surgir a mudança que restitua o "jogo bonito" a que Blatter referiu-se. E o dirigente ainda critica seus colegas cartolas, tão bem nossos conhecidos no Brasil e isso no veículo da imprensa que mais forma opinião dos líderes do mundo dos negócios e da política, o "Financial Times". Não é pouco.

Esses "novos escravos" submetidos pela mídia e descartáveis a cada temporada, constituem apenas o combustível da engrenagem que compõe todo tipo de indústria, inclusive a cultural - de que aliás o futebol-
business é parte integrante - vide o sucesso do midiático Maradona em seu novo programa na TV argentina.

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