13.09.2005 - O Globo - Segundo Caderno - P. 8 - Deborah Berlinck - Altos e baixos do Ano do Brasil na França. Shows brasileiros atraíram cem mil espectadores, mas algumas representações estaduais tiveram prejuízo.

Paris. Sexta-feira, 21 horas. Alceu Valença soltava a voz no palco. Embalados por caipirinha, franceses e brasileiros dançavam e suavam dentro do Carreau du Temple, num ambiente que não deixava dúvidas: muros coloridos decorados com cocar de índio e belas peças de artesanato, cerveja, cachaça, calorão. Tudo muito brasileiro e bonito. Do lado de fora, uma multidão fazia fila, na esperança de dar um jeitinho para entrar. Mas com 1.600 pessoas do lado de dentro — capacidade máxima do local — a segurança na porta foi implacável:

— Não adianta. Impossível. Lotou — diziam.

Previsão de público foi ultrapassada.

O Espaço Brasil, a grande vitrine do Ano do Brasil na Franca, encerrou sua programação no domingo, com recorde de público: mais de cem mil pessoas. Durante três meses, dentro da bela estrutura metálica de um antigo mercado, no bairro do Marais, franceses e brasileiros assistiram a shows de música, exposições de arte, teatro. E foi um momento de descoberta também para a comunidade de brasileiros que vive em Paris. Quantos brasileiros já ouviram falar na jiquitaia (nome de uma formiga), dança popular do Tocantins, em que dançarinos pulam imaginando que formigas estão subindo no corpo ?

— De todos os eventos no Ano do Brasil na França, este foi o que teve uma verdadeira atmosfera brasileira. Era o Brasil — comentou Jean Gautier, o comissário francês do Ano do Brasil na França.

Márcio Meira, do Ministério da Cultura (MinC), também comemorou:

— Tínhamos uma expectativa de 60 mil pessoas. Até quinta-feira à noite (três noites antes do encerramento), tínhamos 97 mil — disse.

Mas, como dizem os franceses, há o “revers du décor”, isto é, o outro lado da moeda. Pergunte à designer Suzana Rodrigues, que cria bijuterias com sementes compradas dos índios e confeccionadas por presidiárias de Brasília, o que ela achou de sua experiência no Espaço Brasil? Convidada pelo MinC, e imaginando que teria a grande chance profissional de sua vida, Suzana pegou dinheiro emprestado, encomendou seis vezes mais sementes do que de hábito, mandou fazer embalagens novas de fibra de coco e traduzir para o francês explicações sobre suas bijuterias. Dois dias antes de embarcar para Paris, descobriu que o ministério não iria pagar a remessa das peças, como inicialmente prometido. Não desanimou. Pediu mais dinheiro emprestado e embarcou. Ao chegar, descobriu que, além dos R$ 1 mil que desembolsou para levar as peças para Paris, tinha que pagar 300 euros para retirá-las da alfândega francesa. Sem dinheiro, sem falar francês, foi à agência do Banco do Brasil em Paris, e teve uma convulsão de choro. Um funcionário tirou dinheiro do próprio bolso para ajudá-la. Ao chegar no Espaço, nova surpresa: não havia lugar para expor as bijuterias, e ninguém sabia quem ela era. Foi posta numa salinha de fundo, por onde não passava público. Por duas vezes, teve as peças roubadas no Espaço.

— O que era para ser a minha consagração, quase foi a minha falência — analisa.

Não foi um caso isolado. Os índios ticunas, que vieram se apresentar na semana do Amazonas, tiveram CDs com gravações de suas músicas típicas retidos na alfândega.

— Não tinha ninguém para liberar a mercadoria deles, ou para tentar intermediar. Os índios ficaram que nem barata tonta — conta o antropólogo Marcelo Fiorina, que os acompanhou.

Para mostrar a diversidade brasileira, vários estados foram convidados a participar e a mostrar sua arte, com promessas de apoio. Mas alguns tiveram prejuízo, como o Paraná. Não foram avisados de que, para vender peças de artesanato, precisavam autorização e pagar dois impostos: um para entrar na França, e outro para voltar ao Brasil com a mercadoria não vendida.

Lucia Arruda, presidente da Provopar, um programa de voluntariado do Estado do Paraná, que promove, entre outras coisas, o artesanato local, conta que levou 1.200 peças de artesanato, mas só conseguiu vender metade porque era proibido negociar na hora dos shows, justamente quando o Espaço lotava:

— Não contem com o Paraná para uma próxima. Nunca mais — queixou-se.

Como parte da programação do Paraná, estava uma mostra dos trabalhos de 14 fotógrafos. Mas quando a secretária de Cultura do estado, Vera Mussi, chegou com todo o material, acompanhada de um dos fotógrafos, não havia espaço para exibir o trabalho. Vera Mussi disse que a idéia do Espaço é “muito boa e interessante”, mas ficou impressionada com a desorganização. Ela e sua equipe tiveram ainda que sair panfletando pelas ruas para atrair mais público, por falta de divulgação.

Alguns estados, no entanto, saíram felizes. Carlos Gomes, assessor do governador do Tocantins, Marcelo Miranda, disse que o artesanato do estado, especialmente o material feito de capim dourado, “vendeu muito” e o governo fez muitos contatos em Paris para futuros negócios. Pernambuco, que fechou a semana de shows do Espaço, também saiu contente com a experiência. Mas muito graças ao esforço pessoal de Bruno Lisboa, da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. Ao chegar lá e constatar que não havia divulgação, abriu seu caderninho e começou a ligar para todos os jornalistas franceses que já havia recebido em Pernambuco. O estado foi praticamente o único que conseguiu divulgação no “Le Monde” e no “Libération”.

Deborah Berlinck é correspondente em Paris.

« voltar