16.01.2012 - O Globo - Segundo Caderno - P. 3 - Audrey Furlaneto - Nelson Leirner quer guinada aos 80 anos.

O ‘enfant terrible’ da arte brasileira faz aniversário hoje e conta que procura uma ‘quebra’ para a linearidade de sua obra.

Nelson Leirner faz 80 anos hoje, mas garante que não se sente mais velho – ao menos na arte. Dono de uma obra linear, de crítica à sociedade de consumo e à própria definição da arte, ele ainda diz ser ‘curioso’ o fato de se sentir igual no trabalho, embora ‘envelhecido socialmente’.

– Eu me sinto mais velho, sim, na vida cotidiana, nas minhas possibilidades de praticar esportes, na mobilidade, em querer sair, ver gente. Nisso, me sinto hoje muito mais idoso e cansado. Agora, na arte, não houve mudança nenhuma com o tempo. O que também não sei se é bom – diz, incomodado.

Leirner, que ganhará exposição no Rio e livro sobre seus mais recentes trabalhos, em setembro, não se sente confortável com a linearidade e diz precisar de ‘uma guinada’. Nada anormal para o ‘enfant terrible’ da arte brasileira, que, em 1967, enviou um porco empalhado ao Salão de Arte Moderna de Brasília e questionou publicamente o júri sobre o que o levou a aceitar sua obra na mostra.

– Mas o que eu vou fazer? Não sei como guinar. Penso no (artista americano) Frank Stella. De repente, eu o tenho como meu modelo de pensamento: sempre construtivista, geométrico, e, um dia, ele começa a fazer baleias! Do geométrico, pulou para as baleias, nos anos 1960. Conseguiu esse rompimento. Artista é muito linear. É difícil ver alguém que consegue guinar. Penso: qual seria a minha quebra?

A última ideia de quebra foi inspirada em David Hockney, que pinta seus próprios cães. Leirner, dono do cãozinho Dog, gostou do tema e quis tentar algo novo. Pouco depois, recorria à apropriação, que usa desde o início da carreira: buscou brinquedos em forma de cães em pet shops e criou a série “Hot dogs” (‘Ou seja, novamente, fiz um trabalho identificado como meu’).

O artista paulista que escolheu o Rio para viver nos anos 1990 já se ‘apropriou’ de miniaturas de Mickey Mouse, de imagens do candomblé e de super-heróis para criar procissões ou reuni-los de forma a questionar o consumo e a arte. Em 1966, com Wesley Duke Lee e Geraldo de Barros, fundou o grupo Rex, que também questionava – com o humor que acompanha as obras de Leirner – o sistema da arte.

– Tenho um problema: venho de uma geração que realmente não tem a mesma cabeça dessa geração de hoje.

Na de hoje, que, para ele, é formada pelas pessoas nascidas a a partir dos anos 1970, ‘a única preocupação da arte é a comercialização’. Mas o fato, afirma, não o entristece. Leirner vê o negócio da arte como uma forma de defesa da sociedade.

– Como se aprende a se defender? Consumindo. Você desmistifica a arte, acabou. Isso é até bom, faz com que o jovem se desprenda de querer agradar. Ele pode fazer o que quer e tudo vai ser consumido. Isso não é bom? Você não precisa mais ficar preocupado em fazer algo que não vai vender. Isso é ótimo.

Leirner afirma ainda que, ‘com toda essa comercialização, vivemos um momento em que a arte está mais desprendida, mais solta e mais leve’, mas sempre vai haver ‘aquele que faz arte para colocar na parede, para vender’. Ele próprio diz ser desligado das negociações de seus trabalhos, mas reconhece:

– O artista é um investimento; as galerias sabem mais de mim do que eu mesmo.

Leirner não deixa de produzir e, mesmo sem foco definido, volta ao ‘depósito’ (é assim que chama o ateliê que mantém no mesmo prédio em que vive, no Jardim Botânico) com frequência para organizar objetos coletados ao longo de anos pela Saara, no Centro do Rio, pela Rua 25 de Março, em São Paulo, e por mercados populares do mundo. O colecionismo não é hobby – daí o fato de ele repetir ultimamente que precisa de um hobby.

– Quero parar de trabalhar na arte, estou cansado. Quero fazer outra coisa, mas não vou ficar jogando dama como aposentado – diz, rindo. – Essa vida de lazer não combina comigo.

Nos últimos meses, investe em aulas de informática. Anda fascinado com seu computador (‘Tem um brilho, um colorido maravilhoso’). A grande questão aos 80, porém, segue sendo a guinada:

– Fico me perguntando: como eu posso ser um louco sem ir para o hospício?

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