04.06.2011 - Carta Capital - Olívio Tavares de Araújo - No tempo do deus dinheiro.

Quarta-feira 11 de maio de 2011 foi uma data marcante para a arte, ou, antes, para o mercado de arte no Brasil. Crescendo de ano para ano em área, número de estandes, público e vendas, inaugurou-se a competentíssima feira SP Arte, em sua oitava edição. Como sempre, um enorme sucesso. Mas o impressionante aconteceu poucas horas mais tarde. Num leilão, um conjunto de mesa e 12 cadeiras de fabricação de Joaquim Tenreiro alcançou fantásticos 400 e tantos mil reais. Português, pioneiro do moderno design brasileiro, autor, na década de 1940, do mobiliá-rio do famoso Colégio de Cataguazes, de cujo projeto se encarregou Niemeyer e para o qual Portinari pintou o mural Tiradentes, Tenreiro certamente pertence à história. Ainda assim, nem os mais delirantes poderiam imaginar que trabalhos seus dos anos 50 acabariam custando várias vezes mais que uma mobília de expoentes da art nouveau francesa, por exemplo, como Gallé (que não se limitava aos vasos de vidro colorido) e Louis Marjorelle.

Deve-se concluir que a mobília de Tenreiro é várias vezes melhor? Certamente, não. Tratando-se de mercado, o costume é começar lembrando casos exemplares, como o de Vincent Van Gogh. Como convinha à época, Van Gogh era maldito, mentalmente instável, cortou a orelha, tentou se matar (não morreu na hora, mas morreu em decorrência) e em toda a vida conseguiu vender um só quadro, lindíssimo, hoje em Moscou. Passados 120 anos, numerosos Van Goghs figuram entre as mais caras pinturas jamais negociadas. A convicção habitual é de que, enfim, se fez justiça, e de que os muitos milhões traduzem o reconhecimento do mérito estético. Está errado. Pode até dar-se que, no início, a valorização astronômica de determinadas obras tenha a ver com qualidade, mas obedece depois a regras independentes. Arte enquanto arte transita no espírito, beleza, elevadas emoções. O mercado se reporta à disponibilidade ou carência, à lei da oferta e da procura, ao marketing em cima do produto, ao desejo de compra estimulado, ao incentivo à autoexibição. Arte e mercado são realidades tão distintas quanto a Eucaristia e a venda de medalhas nas vizinhanças das igrejas.

Até as pedras sabem que uma bolsa Louis Vuitton custa 50 vezes mais que outra marca não porque seja 50 vezes mais bem-feita ou mais bonita, mas porque a sociedade de consumo a transformou em ícone explícito do poder aquisitivo. Não nos enganemos: o mesmo pode ocorrer nos domínios da arte. De cem anos para cá, seu mercado tornou-se cada vez mais suscetível às estratégias e especificidades do puro negócio, comuns a qualquer tipo de comércio. Grandes e bem-sucedidas feiras, como a de São Paulo, espocaram em todo o mundo, da Basileia a Buenos Aires, Nova Délhi, Madri e Miami, e assumem com naturalidade esse nome, feira, lugar onde se reúnem e se vendem mercadorias, sem reivindicar qualquer particularidade. Representam mais um recurso para a ampliação do consumo, assim como os supermercados e as compras na internet (pela qual também se podem adquirir obras importantes e joias caríssimas). Não se trata apenas de progresso de meios, mas, sobretudo, de assumir para com a arte uma disposição mercantilista que em outros tempos, talvez, não ousasse se declarar tão às claras.

« voltar