30/11/1992 - Jornal do Brasil - Caderno B. Babilônia da cultura. Andréia Curry. P. 6.

“A questão é decidir se sai já no verão, mas sem ar condicionado, ou no inverno, com refrigeração funcionando a todo vapor. Mas que o Shopping Cultural da Fundição Progresso sai, sai. E no primeiro semestre de 1993, com a promessa de uma espécie de erupção cultural na cidade. Já na próxima semana, reuniões com bancos e agentes financeiros vão definir mais precisamente época da inauguração. ‘De qualquer forma, neste verão já vamos mostrar a cara e esquentar a Lapa’, garante Márcio Calvão, coordenador geral do projeto. O primeiro motivo de festa será a choperia da Fundição. Ela ficou conhecida como a Choperia das ONGs durante a Rio-92. Agora foi entregue aos cuidados do restaurante Buffalo Grill, que vai investir em sofisticação. Outro vai ser a abertura, provavelmente em março, da escola de teatro, a menina dos olhos de Calvão, que é ator. Com mais de 22 mil metros quadrados, o Shopping Cultural da Fundição Progresso vem sendo construído desde 1988, usando como base o esqueleto de uma fábrica do século passado. No meio da década de 80, a fábrica era pura ruína, contornada por terrenos baldios e muito lixo. Um cenário inicialmente utilizado para ensaios de bandas punks. Depois virou até esconderijo de pivetes. O Núcleo de Vídeo da Fundição, inaugurado em novembro de 1990 com uma sala de exibição com 130 lugares, ilha de edição, cabine de locução e escritório, foi o primerio espaço cultural do Shopping a surgir. Há alguns meses foi inaugurada a Escola de Produção Cultural, que vai formar muitos dos 5 mil profissionais que o Shopping vai mobilizar quando entrar em funcionamento. As obras do teatro multimídia, do cinema, do dancing, da galeria de arte, do espaço de moda, da livraria e dos cinco restaurantes já estão na fase final. O salão de sinuca - que será administrado pelo pessoal da Estação Laranjeiras - e a cafeteria já estão praticamente prontos. Falta a casa de espetáculos, planejada para ser a maior da cidade, com capacidade para 4 mil pessoas. Coisa babilônica mesmo, para transformar em folclore os jardins da Dinda. Terá uma área construída de 6.600 metros quadrados, palco com elevação hidráulica - duas vezes maior que o do Canecão -, jardins e terraço. Atualmente acabar as obras da casa de espetáculos e garantir o sistema de refrigeração de todo o Shopping são os dois grandes desafios. Gasta-se ali, com a equipe de engenheiros, funcionários de escritórios e mais de 150 operários, perto de Cr$ 30 milhões por dia. A grana vem de várias direções: cotas compradas pela Mesbla, pelo Banerj e pela White Martins, crédito com o BNDES e ainda falta um pouco. ‘Mas o mais complicado já passou. Em 1993 vai haver colheita’, diz Calvão.

A arte e a técnica de tirar leite da pedra.

‘Produzir sim, reproduzir não’. Esta é uma das lições incluídas no currículo da Escola de Produção Cultural da Fundição Progresso. A escola, inaugurada em maio, tem a preocupação de ser a cara da Fundição. O valor máximo é a criatividade: ‘E criatividade em produção é tirar leite de pedras mesmo’, afirma Luis Meirelles, um dos coordenadores da escola. Mas é claro que há o caminho das pedras. E é isto o que a escola se propõe a ensinar: ‘Como transformar arte num produto a ser consumido por um público. E resgatar a possibilidade de se fazer cultura no Brasil’, segundo Meirelles. Da primeira turma da escola, formada recentemente, já existe muita gente empregada. ‘Temos recebido muitas solicitações para estágios em pequenos centros culturais’, revela Meirelles. Dez formandos também foram selecionados pela prefeitura para desenvolver o projeto denominado Censo Cultural. Isto prova que o mercado para produtores culturais está aí para ser explorado. ‘Tem gente boa aqui no Rio, mas são poucos. Faltam profissionais que entendam de cultura e também de negócios’, observa Meirelles. Os que terminarem os 21 cursos oferecidos na escola recebem diploma de produtores culturais, com registro provisório do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos. Há cursos com temas mais teóricos, como conceito de cultura, produção cultural no Brasil e direitos autorais e outros assuntos bem mais práticos: cenografia, iluminação, figurino, produção de exposições, shows, teatro e dança, além de marketing e negociação. ‘Queremos produtores que possam fechar contratos com iluminadores, mas que saibam também cavar promotores para eventos’, continua Meirelles. Afinal, os formandos terão que trabalhar em tempos recessivos, quando a cultura muitas vezes acaba sendo tratada como supérfluo. ‘É aí que entra a principal arte do produtor cultural - procurar tornar a cultura um item indispensável’, diz Luis Meirelles”.

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