30/01/1993 - Jornal do Brasil - Idéias - O elogio do livro. Marilena Chauí (reprodução de palestra enquanto ocupava a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo).

“Quando o cinema apareceu, afirmou-se que o teatro ia acabar. Mas o cinema permitiu que o teatro se repensasse, se reinventasse. Em vez de uma linguagem cultural destruir outra, permitiu a sua renovação. Quando a televisão começou a proliferar, afirmou-se que ia matar o cinema. Mas a televisão levou o cinema a se reformular como linguagem. Faço esta afirmação porque a primeira coisa que deveria ter desaparecido com o surgimento do rádio, depois com o do cinema, da televisão e, finalmente, com o surgimento do computador, é o livro. O livro deveria ter sumido. Curiosamente, dos papiros até hoje, o livro é de uma teimosia inarredável”.

“O livro é um esplendor. O livro me conta o tempo e o espaço. O livro faz pensar no que nunca se pensou. O livro tem uma generosidade que pouquíssimas obras da cultura têm. Eu vejo a pintura, mas talvez nunca possa pintar. Vejo a dança e sou uma herdeira silenciosa da dança que outro faz. Mas leio e o livro me faz pensar e me faz escrever. O livro é uma doação. Há uma grandeza no livro. Sei que as bibliotecas têm que oferecer uma multiplicidade de atividades porque lidamos com o mundo da carência. Sei que, em cada cafundó do Judas, só há aquela salinha. Qua aquele é o único lugar onde a cultura pode acontecer. E que por isso é preciso ter os bonecos, ter o teatro, é preciso por um vídeo lá. É bom chamar a população para uma festa junina, porque lá é o único lugar. Mas ela é o lugar privilegiado do acesso a essa coisa extraordinária que é a doação do pensamento. E é por isso que nós compramos 5 milhões de dólares em livros”.

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