29/11/1992 - Jornal do Brasil - Caderno B. Gilberto Scofield Jr. e Denise Moraes. As artes do patrocínio. P.5.

“Na última quarta-feira, a galeria de arte Candido Mendes, em Ipanema, estava em polvorosa. Dentro da sala, onde acontecia o lançamento do livro Marketing cultural ao vivo, organizado pelo próprio Candido Mendes, artistas e produtores disputavam a tapas a atenção de meia dúzia de pessoas. Estes escolhidos, capazes de transformar egocêntricas estrelas em tietes bajuladoras, eram executivos de grandes empresas patrocinadoras de cultura, como Shell, Banco Nacional, Coca-Cola, Souza Cruz, entre outras. Gente que tem na mão verbas que, somadas, batem a casa dos US$ 10 milhões só este ano. Certamente isso não é recurso que vá salvar toda a cultura brasileira, mas em tempos bicudos e diante da falência da política cultural oficial, é dinheiro que ninguém despreza. Mas o marketing cultural mostra que o patrocínio não é filantropia pura e simples. As empresas ganham com isso. Principalmente na formação da imagem da instituição junto ao público em geral. ‘Eu já encontrei pessoas que me juraram só abastecer em postos da Shell pelo nosso trabalho com a cultura’, admite João Madeira, gerente de projetos culturais e comunitários da Shell, em cujas mãos repousa o destino de uma verba anual na casa dos US$ 4 milhões. E quem, por acaso, não aguarda com ansiedade, todos os anos, pela Mostra de Cinema do Banco Nacional ? ‘Isto passa um papel de responsabilidade social que cativa todo mundo’, garante Ana Lúcia Magalhães Pinto, diretora de comunicação corporativa do Banco Nacional, responsável por uma verba anual de US$ 3 milhões para patrocínios e até reformas de cinemas. ‘É bom para a empresa estar sempre perto de seu público, ainda mais de forma descontraída, na hora do lazer’, assegura Sonia Barreto, que cuida da verba anual de de US$ 850 mil da Coca-Cola para patrocínios.

A autora, diretora e co-produtora da peça As mil e uma noites, Karen Acioly, foi além. Seu projeto experimental de pós-graduação na UFRJ trata, entre outras coisas, de medir o quanto ganham as empresas - financeiramente - com o marketing cultural. Acioly tomou como base de seu estudo o próprio patrocínio de US$ 65 mil dado pela Shell à sua peça. ‘Os patrocínios também dão lucro’, atesta. Somando todos os espaços conseguidos na mídia com a divulgação da peça (onde se fala sobre o patrocínio da Shell) e comparando este número com o quanto a empresa pagaria, na mídia, se tivesse que veicular propaganda, chega-se a uma cifra assombrosa. Só o gasto com a mídia impressa no Rio e em São Paulo, por exemplo, chegaria a US$ 300 mil. O patrocínio de US$ 65 mil, neste caso, resultou numa economia de gasto com propaganda de US$ 235 mil.

Ricardo Gribel, diretor-geral do Banco Real, que possui US$ 4 milhões anuais para patrocínios, recebe cerca de 300 projetos para análise a cada ano. É muito projeto para pouco dinheiro e o não acaba se tornando a palavra mais proferida para todos. ‘O critério da escolha é o da qualidade’, diz ele. Algo um tanto vago, diga-se de passagem, já que a grande crítica que se faz ao destino destes patrocínios é justamente entregá-los a figuras já conhecidas do mundo artístico. ‘Uma empresa fornece recurso pensando também no potencial de projeção que o evento pode trazer para ela’, confessa Madeira, da Shell. Dos US$ 4 milhões da Shell, 60% vão para projetos com figuras já conhecidas. O restante é pulverizado para os iniciantes. Ainda assim a crítica não se sustenta. Quem poderia reclamar, por exemplo, dos US$ 800 mil entregues todos os anos ao grupo de dança mineiro Corpo ? ‘Nós não sobreviveríamos sem este patrocínio’, diz Paulo Pederneiras, diretor da companhia de dança brasileira mais conhecida no exterior. E quem poderia dizer que Moacyr Góes ou Bia Lessa eram tarimbados diretores há alguns anos, quando começaram a receber o patrocínio da empresa ? Seria mais útil pichar as empresas que, apesar de lucrativas, não investem um centavo em cultura. No Brasil, elas não são poucas.

As saídas, onde estão as saídas ?

Se a crise bate à porta, a fechadura chama-se criatividade. O patrocínio de grandes companhias não é a única saída de emergência. Muitas empresas de produção cultural sofrem a retração do mercado sem deixar a peteca cair. Ou, como diz a programadora do People, ao invés de cobrar dos artistas, reduzir o número de atrações e pedir empréstimo a bancos para contratar grandes nomes, a casa do Leblon decidiu apostar na diversificação ampliando sua série de shows. Também não cobra consumação mínima nos eventos mais arriscados: fora do horário nobre e com artistas iniciantes.

E, no arrocho, faz-se de tudo. A Dell’Arte, empresa que há dez anos se caracteriza por promover eventos internacionais de música erudita, agora só trabalha sob medida. É assim que ela trará em abril o tenor espanhol José Carreras. Uma encomenda da nova prefeitura de Curitiba. ‘Não vamos mais trazer alguém e enfiar pela goela do mercado. Verificamos o que está faltando e aí sim entra a nossa agilidade em contratar o artista’, explica Sfeffen Dauelsberg, da Dell’Arte”.

“Só quem já tentou um dia produzir algo em cultura sabe da dificuldade que é colocar em pé um espetáculo. Apesar dos patrocínios serem um alvo constante, o grosso dos custos de um projeto acaba ficando mesmo com as chamadas permutas, onde médias e pequenas empresas cedem material, passagens, hospedagem e até comida em troca de espaço na programação, cartazes ou promoções. ‘A gente sai de pires na mão, mas é estimulante’, diz a atriz Lília Cabral, que acaba de conseguir um patrocínio de US$ 5 mil do Banco Multiplic para fazer decolar seu monólogo Solteira, Casada, Viúva, Divorciada. O projeto de Lília, no total, chega a US$ 20 mil. O restante será batalhado com permutas. Todo esse processo seria menos doloroso se alguém fosse capaz de entender e aplicar com facilidade a polêmica Lei Rouanet. Na intenção de corrigir os excessos praticados na gestão do ex-presidente Sarney, o ex-secretário de cultura collorido acabou por criar uma intrincada teia burocrática. Pederneiras, do grupo Corpo, acaba de ter um projeto aprovado por Brasília. Demorou tanto a aprovação que os recursos serão inúteis. É que o incentivo vale apenas do prazo de aprovação do projeto - semana passada - até o fim do ano. E todo o dinheiro da patrocinadora Shell já foi entregue a Pederneiras ao longo do ano. ‘Nem me fale disso’, desconversa o diretor do Corpo”.

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