22/09/2002 - O GLOBO - Artur Xexéo - Com a palavra, Regina Duarte. Não há política cultural, mas política financeira para a cultura

Parem as rotativas, suspendam a edição, interrompam a apuração. Não quero mais saber de candidatos a presidente. O Lula não ligou ? Não faz mal. Quem ligou foi a Regina Duarte. E é dela o espaço deste domingo.

A Regina Duarte me disse . . . Não, não vou mais entrar nessa. Regina escreveu um texto redondinho sobre política cultural e leis de incentivo à cultura. Ela quer participar da discussão. Portanto, passo a palavra a minha, a sua, a nossa namoradinha do Brasil:

"É realmente inadmissível que em 2002 a cultura da nação continue sendo o último item da lista de prioridades dos candidatos à Presidência. Exemplo flagrante desta condição de desprestígio é o fato de que, nos últimos anos, a renúncia fiscal do governo nas diversas áreas, calculada em R$ 20 bilhões, tem reservado para a cultura nada mais que 0,8% deste valor.

Depois da Era Collor, que extinguiu a Embrafilme, a Funarte e a Fundacen, entre outros barbarismos, tivemos a partir do ministério da Antônio Houaiss um renascimento que não pode ser desconsiderado (Houaiss foi ministro da Cultura em 1993, no governo de Itamar Franco). Seria bom relembrar conquistas importantes nos campos da música, dos livros, da dança, das artes plásticas, do patrimônio histórico, mas como não é, agora, o caso de estender-me muito, vou ater-me às artes cênicas, atividade artística que envolve, hoje, cerca de cem mil pessoas, com uma oferta estimada de dez milhões de ingressos por ano.

Acho importante relembrar que em 1996 foi criada uma Comissão de Artes Cênicas, que lançou o 'Manifesto contra a barbárie'. O documento dizia, entre outras coisas, que da Cultura deve-se esperar que construa a 'alma' da nação e não que sirva como promotora de marcas de uma indústria da diversão. Nem mesmo os 754 projetos para teatro que captaram incentivos fiscais entre 1996 e 2000 amenizam o sentimento de que fazer cultura hoje é privilégio de estrelas laureadas pela mídia.

A evolução, enfim, para o bem e para o mal, pode também ser resumida numa frase cheia de ambigüidades: 'Cultura, só com lucro'. Desde então o movimento cultural brasileiro tem oscilado entre a aura do artístico e a mercadoria do marketing. Entre a criação de 'bens simbólicos' e 'produtos'.

O movimento cultural dos últimos tempos, alimentado com os patrocínios, os agentes culturais, as empresas participantes da política de incentivos fiscais (em 1994 eram 340 empresas e em 2002 somam 3.500), não deve, a meu ver, ser condenado à morte. É uma conquista importante que, ao contrário, deve ser estimulada. Desde que com limites, equilíbrio e sobretudo contrapartidas.

Segundo dados de 1998 da Fundação João Pinheiro, as atividades culturais criaram mais empregos do que qualquer setor isolado considerado isoladamente., É a cultura do marketing ? Sim, e por que não ? O que se faz necessário neste momento a nossos governantes é não confundir a liberdade que o mercado dá com a abstenção e a irresponsabilidade.

O que se faz necessário é que o Estado não se limite, em relação à cultura, a uma participação formal, burocrática, contábil e sem conteúdo. É indesculpável, mesmo com todos os avanços já conseguidos com as leis de incentivos fiscais, que o Estado não assuma sua responsabilidade nas propostas e nos resultados da produção cultural. Todos nós sabemos que o que existe hoje não é uma política cultural, mas apenas uma política financeira para a cultura. O momento é de luta por um programa que privilegie todas as camadas do tecido social através do combate à elitização perversa das leis de incentivos como existem hoje.

O que acontece com a cultura brasileira na Era do Marketing ? Somente os grandes grupos empresariais dispõem de um volume de recursos que permita uma participação na produção cultural do país de forma consistente, sistemática e continuada. Senão, vejamos: o limite de destinação para um projeto cultural é de 4% do imposta de renda a pagar. Assim, uma empresa que tem um IR devido de R$ 200 mil, só poderá destinar a um projeto cultural, por exemplo, R$ 8 mil. É pouco, dá para muito pouco. Se essa empresa pudesse abater 30% do seu IR devido para aplicar em cultura, esse valor subiria para R$ 60 mil, o que já permite que ela patrocine um espetáculo de teatro de um talentoso grupo do interior, uma pequena orquestra de jovens, um grupo de dança, promova a impressão de livros de revelações literárias, produza eventos de artes plásticas revelando novos meios de expressão etc.

A saída ? O estabelecimento de limites escalonados: empresas grandes, limites pequenos. Empresas pequenas, limites maiores. Não parece mais justo ? Isso tudo sem que seja necessariamente preciso alterar o limite total anual de renúncia fiscal do governo, que , em 1999, foi de R$ 160 milhões".

Como se vê, Regina Duarte sabe tudo. Taí prontinho um projeto para o próximo governo tratar a questão do patrocínio cultural. Tô com Regina e não abro. Desde os tempos em que ela fazia a dissimulada Malu em "A deusa vencida". Regina Duarte para presidente!

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