18/05/2001 - Jornal do Brasil - Caderno B – Gilberto de Abreu -Aquarelas que contam histórias

Mostra retrata 200 anos da técnica, com obras de Debret a Victor Arruda.

Professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV) na efervescente década de 80, Alberto Kaplan, 44 anos, passou por aquele celeiro de jovens talentos sem ter lecionado para nenhuma grande promessa da arte contemporânea. Beatriz Milhazes e Daniel Senise, por exemplo, não foram seus alunos. O motivo é simples: Kaplan ensinava aquarela, enquanto os candidatos ao estrelato só queriam saber de pintura. A predileção do mestre pela técnica, fato sem precedentes na rotina da EAV, fez Kaplan passar duas décadas praticamente submerso em papéis coloridos. Na próxima segunda-feira, ele vem à tona com Aquarela brasileira, exposição que reúne, no Centro Cultural Light, 200 anos de história.

O painel montado por Kaplan reúne 115 nomes e o mesmo número de obras. Tem de Debret a Leonilson, passando por Thomas Endler, Oswald Goeldi, Pancetti, Iberê Camargo, Anna Bella Geiger, Margaret Mee, entre outros. Tem registros científicos da fauna, flora e costumes brasileiros; pesquisas sobre tons, composições e sobreposições; exercícios de leveza e de transparência. ''Um dos principais desafios da aquarela é não permitir ao artista o reparo do que já está no papel. A solução plástica surge a partir do que vai acontecendo na tela '', ensina o professor.

Kaplan fala sobre a técnica com a mesma liberdade que ela lhe inspira. ''A aquarela capta com muita sensibilidade os mecanismos do artista que a produziu. E os desvenda de tal forma que muitas vezes ele se surpreende com tal poder''.

A exposição é dividida em sete módulos, dos quais os dois primeiros são, de certo modo, familiares ao público. Tratam dos pintores viajantes que, seduzidos pela fauna e flora brasileiras, produziram centenas de aquarelas tendo como tema a paisagem do país.

Apesar de ressaltar a importância do terceiro módulo de Aquarela brasileira - referente ao período em que o Brasil entra na Escola Imperial de Belas Artes -, Kaplan elege o módulo correspondente ao modernismo brasileiro como o ponto forte da exposição. ''Uma das bandeiras máximas do país. É interessante perceber como pintores como Di Cavalcanti, Bandeira e Guignard se aventuraram pela aquarela sem perder a coerência com as técnicas oficiais'', resume o professor.

Aquarela brasileira é um festival de surpresas visuais. O frescor das aquarelas de Cícero Dias e de Flávio de Carvalho - garimpadas em acervos particulares e institucionais, como as demais selecionadas para a mostra - estão entre as tais supresas: tão impactantes quanto as leituras do expressionismo por Lasar Segall e Oswald Goeldi. ''Poderia ter feito uma exposição com grandes nomes e várias obras de cada um, mas preferi a idéia de um panorama. Optei por ter mais artistas representados por uma obra apenas'', justifica o curador, que ainda reluta em ser rotulado de colecionador, embora já tenha cerca de 20 obras em papel.

Atualmente, colecionar aquarelas pode ser considerado um negócio promissor. Um exemplar moderno de Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho ou Ismael Nery, por exemplo, chega a custar entre R$ 90 e 100 mil. ''São tão valiosos quanto os pintores viajantes'', especula o curador, que emprestou obras de seu acervo para a exposição - devidamente incógnito.

Além de oferecer ao espectador o primeiro grande mapeamento da produção de aquarela no país nos últimos 200 anos, Kaplan realçou certas empreitadas que, apesar do arrojo, não tiveram repercussão junto ao grande público. É o caso do estudo sobre escadas feito por Lygia Clark em Paris, em 1951 - que reflete a sintonia da artista com a estética vigente no período -, e do diferenciado trabalho de Abraham Palatinik, precursor da arte cinética no país, que conviveu com os internos Carlos Pertius e Fernando Diniz durante o período em que trabalhou com a Dra. Nise da Silveira na Colônia Juliano Moreira. ''É um Palatinik completamente diferente daquele que conhecemos'', resume Kaplan.

Se no caso de Palatinik é praticamente impossível reconhecê-lo, no de Victor Arruda difícil seria não identificá-lo. ''Mesmo nas aquarelas, sou o mesmo Victor Arruda de sempre'', atesta o pintor das conhecidas telas eróticas, que convive com as aquarelas quase diariamente há cinco anos. O pintor explica a convivência: ''Tinha mania de desenhar com a caneta esferográfica enquanto falava ao telefone e resolvi adaptar a mania. Instalei a mesa que uso para pintar aquarelas do lado do aparelho''.

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