07/02/1999 - Jornal do Brasil - Caderno B - Fritz Utzeri. Resistir é preciso. Rio de Janeiro. P. 4.

“A decisão do Ministro da Cultura Francisco Weffort de adotar uma visão comercial para a cultura pode até estar afinadíssima com os ditâmes do FMI, mas se ele fizer o que promete quem vai sofrer é justamente a cultura. Weffort diz que vai voltar a ação de seu ministério para os produtos populares que tenham penetração internacional. Países de cultura bem mais sedimentada e de importância econômica e presença internacional muito maiores do que a nossa poderiam dar-nos o exemplo do que fazer com relação à política cultural. Vamos tomar o caso da França. Lá o Ministério da Cultura é um verdadeiro ministério da resistência. Os franceses resistem bravamente à avassaladora hegemonia anglo-saxônica que domina o Mundo e defendem, e promovem a sua cultura com unhas e dentes. E a ação começa em casa. Nesse jogo não há mercado aberto possível pois a diferença de meios é tão gritante que seria entregar as galinhas à guarda da raposa. Assim, por exemplo, cada filme estrangeiro, notadamente americano, que entra na França paga uma taxa que é usada para promover e produzir o cinema françês. Se o ministro Weffort se dedicar à exportação, quem vai disseminar a nossa cultura aqui mesmo no Brasil ? Quem vai defender um espaço que garanta o mínimo de possibilidade de expressão à nossa cultura contra o massacre “made in USA” e de outras partes que invade todos os dias os cinemas e as televisões do Brasil ? As propostas do MinC no terreno da música, revelam uma visão caolha. Se tomarmos o dito ao pé da letra, o governo vai subvencionar os grupos baianos de axê music, os pagadeiros, os sertanejos dos programas de TV e até a turma consagrada da MPB. Em todos esses casos não é necessária a ação do Ministério. Tanto os baianos axê, como os sertanejos, pagodeiros e o pessoal da MPB vendem bem aqui e lá for a, tem espaço à vontade na mídia, gravam em geral com multinacionais como a Sony, a Poligram e outras e exportam bem. Basta ver o sucesso mundial dos músicos brasileiros. A música brasileira já é globalizada e vai bem obrigado não havendo proveito algum em subvencioná-la. Aliás, é melhor o governo não mexer no que dá certo na iniciativa privada. Nem que seja por estatística, sempre que o governo se mete surgem a corrupção, o favorecimento e o resultado acaba sendo o contrário do que se pretendia. O que o Ministério deveria fazer é garantir a manutenção da identidade, riqueza e diversidade culturais, principalmente no interior do Brasil, para proteger as formas de cultura que não estão no mercado massificado imposto pela mídia, notadamente pela TV. Isso inclui boa parte do teatro, os cordéis, os artesãos e artistas plásticos, grupos folclóricos, experimentais, cordelistas, bandas, orquestras, etc. investindo na formação musical e artística das crianças e levando ao povo outras expressões culturais, como o clássico, Isso é educar e educação e cultura, como nos mostram os franceses e outros povos desenvolvidos, são bens inseparavelmente ligados ao progresso e à prosperidade”.

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