01/12/1992 - Folha de São Paulo. Solberg quer volta de incentivo ao cinema - Rui Nogueira. São Paulo. P. 4-3.

“O Secretário de Desenvolvimento do Audiovisual, Ruy Soberg, 53, nomeado na quarta-feira da semana passada, já ganhou o cacoete do governo Itamar, que não faz nada enquanto não for aprovado o ajuste fiscal. Para Solberg, ex-diretor da Fundação do Cinema Brasileiro e da TVE-RJ, também não dá para fazer promessas enquanto não souber com que dinheiro pode contar. Até o final do ano, Solberg vai tentar convencer deputados e senadores, que só pensam no impeachment de Collor e modernização da economia, a votarem a Lei do Audiovisual, que dá incentivos fiscais ao cinema. A seguir trechos da entrevista.

Folha - O que dá para prometer, a curto prazo, ao cinema nacional ?

Ruy Solberg - É muito arriscado fazer promessas porque isso depende do dinheiro que vamos ter e nós ainda não sabemos quanto é. Uma hora tem 40, outra hora tem quatro. Não dá para saber direito o que sobrou da Embrafilme numa reunião, esta semana. Sei que é menos dinheiro do que deveria ser porque os interventores da empresa andaram gastando em indenizações, pagamento de atrasados etc. O dinheiro deveria, por lei, ser gasto somente na produção.

Folha - E o que dá para fazer que não dependa de dinheiro ?

Solberg - Queremos regulamentar imediatamente o uso da conversão da dívida externa. Isso está aprovado e falta apenas uma instrução da Fazenda. Queremos aprovar ainda este ano o projeto de Lei do Audiovisual com os incentivos. Reescrevemos os artigos com impropriedades jurídicas e que foram vetados por Collor, e já começamos a conversar com o líder do governo, Roberto Freire. Precisamos restabelecer nossas relações internacionais com os festivais e as fontes de co-produção.

Folha - Há algum compromisso internacional que o Brasil não tenha honrado ?

Solberg - Há. O acordo com o Canadá para montar o Centro Técnico Audiovisual no Rio de Janeiro previa um investimento canadense de US$ 2 milhões e uma contrapartida nossa: investiríamos US$ 1 milhão na construção e equipamento de estúdios. O Canadá fez a sua parte, mas nós não cumprimos a nossa até hoje e isso deixa a imagem de que somos malandros. Vou procurar o embaixador canadense.

Folha - Os cineastas se mostraram incapazes de reagir às regras impostas por Collor e só foram solidários ao cobrar a ajuda do Estado ? O cinema não sobrevive sem o Estado ?

Solberg - Não. Em qualquer lugar do mundo é subvencionado.

Folha - Por que a aliança cinema/TV não pega no Brasil ?

Solberg - As televisões são uma garganta voraz de programação e nós ainda não fizemos a real aproximação do cinema com as TVs. Por outro lado os produtores precisam mudar seu comportamento, principalmente em relação às emissoras educativas.

Folha - Quais são as chances do cinema nacional na TV ?

Solberg - A TV Manchete pagou até US$ 20 mil por alguns filmes nacionais que durante a exibição obrigaram a Globo a mexer na sua programação. O telespectador gosta muito de se ver e não há porque ver apenas um Kojak cercando um bandido com dez carros da polícia. Aqui não chega nem o camburão por falta de gasolina.

Folha - O sr. patrocinaria a negociação de uma lei que obrigasse as emissoras de TV a programarem uma porcentagem de filmes nacionais ?

Solberg - A solução não passa por aí. Há outras saídas. Filmes divididos em minisséries, por exemplo. Os filmes de Cacá Diegues (‘Dias Melhores Virão’) e de Júlio Bressane (‘Sermões’) que estrearam na TV antes de irem para o circuito comercial de exibição nas salas são experiências interessantes que a era Collor também implodiu.

Folha - Existiu mesmo esse desmonte da era Collor ou o cinema já vinha mal das pernas há muito tempo ?

Solberg - Quando eu falo em desmonte eu cito por exemplo a formação de quadros. A Fundação do Cinema Brasileiro era um órgão que formava quadros, animadores como Marcos Magalhães (‘Meow’) foram com bolsas nossas para o Canadá. Estudávamos a arquitetura do cinema para evitar esculhambações sonoras como as que a gente ouve constantemente nas nossas salas”.

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